Julião Soares Sousa foi o primeiro guineense a
doutorar-se pela Universidade de Coimbra. Historiador e investigador guineense,
especialista em História Política da Guiné e de Cabo Verde, Julião Soares Sousa
defendeu, em 11 de Janeiro de 2008, em provas públicas, a sua tese de
doutoramento, intitulada “Amílcar Cabral e a luta pela independência da Guiné e
Cabo Verde 1924-1973”, publicada em livro com o título Amílcar Cabral
(1924-1973). Vida e Morte de um Revolucionário Africano. Foi distinguido em
2011 com o Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História Moderna e
Contemporânea de Portugal, pela Academia Portuguesa de História.
A sua principal área de investigação é a construção do
Estado nos PALOP. Porém, revela ainda particular interesse por outras áreas
científicas afins, tais como: História de África, História e Cultura dos Países
Africanos de Língua Oficial Portuguesa, História da Expansão, Colonialismo,
Anticolonialismo e Identidades Nacionais, Cultura e Conflito, Conflitos e
Resoluções de Conflitos, CPLP e História e Teoria das Relações Internacionais.
Natural de Bula, Guiné-Bissau, vive em Portugal, sendo
Investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20), da
Universidade de Coimbra.
Em 1991 concluiu a Licenciatura em História, pela
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC). Seis anos depois, em
Janeiro de 1997, torna-se mestre em História Moderna, também pela FLUC.
ENTREVISTA COM O DOUTOR JULIÃO SOARES
SOUSA
1-Conosaba: Depois de
tantos anos em Portugal (Coimbra) pensou um dia regressar ao seu país natal?
JS: Sim. Naturalmente.
Penso que é o sonho de todos quantos emigram. Recorrentemente todos temos
sempre na nossa agenda a vontade de regressar ao país natal e estar ao lado dos
nossos familiares, amigos e irmãos. Quem não pensa assim? Infelizmente, para
muitos esse sonho acaba por ser apenas um sonho.
2-Conosaba: Há muito se dizia
que a Guiné-Bissau é um país muito pobre, será?
JS: Em termos de
recursos naturais, recursos humanos ou culturais? (risos…). A Guiné-Bissau não
é um país pobre em termos de recursos naturais, humanos ou culturais. Essa é
uma ideia veiculada pelo colonialismo durante décadas, inclusivamente, para não
despertar a cobiça de outros potentados europeus. Como sabe, gradualmente esta
ideia tem vindo a cair e o futuro ainda nos reserva grandes surpresas nesse
domínio. Mas há uma coisa que é absolutamente incontornável. O país mais rico
não é aquele que tem importantes recursos naturais. Essa ideia é do século XIX.
Hoje, o país mais rico é aquele que é capaz de colocar os benefícios desses
recursos ao serviço das populações, criando escolas, hospitais, estradas, para
acabar com a miséria e o sofrimento em que se vive ou de aproveitar
racionalmente os seus recursos humanos. Veja o que se passa hoje à nossa volta
com a disputa dos recursos humanos entre países. Quem paga mais leva os
melhores. Esse processo já está a acontecer em África. É aqui que está a chave
de países como o nosso se for capaz de mobilizar os seus recursos humanos que
se encontram espalhados pelos quatro cantos do globo.
3-Conosaba: na sua opinião a
Guiné-Bissau é um país adiado?
JS: A Guiné-Bissau não é
um país adiado. Tem vivido muitos sobressaltos, é certo, mas está longe de ser
um país adiado. E a resposta mais evidente para a sua pergunta é o facto de
hoje os filhos da Guiné estarem a arregimentar-se e a organizar-se para colocar
o país na senda do progresso. Isso é sinal de que se pode fazer mais e melhor e
de que há uma margem de manobra para mudar o status quo que
chegou a ser, numa determinada fase da nossa história recente, de desesperança.
Acredito que havendo patriotismo sentimental lograremos a desejável mudança.
4-Conosaba: Com uma zona
económica exclusiva de 200 milhas, dizem que a Guiné-Bissau possui recursos
haliêuticos, madeiras, fosfato, bauxite e até mesmo petróleo que ultrapassa
todas as expectativas, recursos que a longo prazo poderão assegurar a sua
sobrevivência, concorda?
JS: A Guiné-Bissau
possui tudo isso e mais. Mas a sobrevivência de um país não depende tanto dos
recursos naturais. Depende mais da capacidade dos seus filhos e da vontade que
possam ter em criar condições para a elevação do nível de vida das pessoas.
Como dizia anteriormente, o importante não é ter recursos. É fazer com que as
pessoas possam usufruir dos benefícios da exploração desses recursos. Mesmo só
com o turismo nós poderíamos sobreviver como país. Mas tem que ser um turismo
que não prejudique a nossa biodiversidade. Para isso é preciso criar
infraestruturas (hospitais apetrechados, ter bons médicos especializados em
doenças tropicais, etc. etc). Sabe, mesmo os recursos haliêuticos e o petróleo
etc., que referiu, não são inesgotáveis. Daí a importância de fazer uma
exploração criteriosa e racional desses recursos e, sobretudo, exercer
efetivamente maior vigilância e soberania sobre a nossa Zona Económica
Exclusiva (ZEE) e sobre o nosso património natural e cultural. Só dessa maneira
estaríamos a defender os interesses do nosso país e dos nossos povos.
5-Conosaba: Acha que a
Guiné-Bissau corre o risco de vir a sofrer um outro golpe de Estado?
JS: Não acredito que
venha a haver um outro golpe de Estado no meu país. Só se fôssemos burros é que
embarcaríamos num outro golpe. O golpe de 12 de Abril foi uma grande lição.
Acho que devemos aprender com os erros cometidos e tentar corrigir. Estou
convencido de que, doravante, o guineense que tem responsabilidades escolherá
sempre a via de diálogo. É claro que o caminho é um caminho estreito ainda, mas
com a propensão para o diálogo nacional revelada pela classe política todas as
adversidades poderão facilmente ser suplantadas.
6-Conosaba: É desta que a
Guiné-Bissau se erguerá para sempre?
JS:Definitivamente…
Tenho mais razões para responder afirmativamente do que negativamente. Há neste
momento uma grande vontade interna para mudar as coisas. Isso era o que vinha
faltando. Sempre dissemos que o primeiro passo para qualquer mudança no nosso
país passaria sempre pela manifestação dessa vontade internamente. Isso está a
acontecer. A oposição, quando é responsável, faz-se nos parlamentos e não na
praça pública. Em todo o caso, para mim, “erguer para sempre” significa
defender os interesses do nosso país e dos nossos concidadãos onde quer que
eles se encontrem. É criar condições objetivas e subjetivas para que as pessoas
vivam melhor, em paz e segurança.
7-Conosaba: O que se espera do
novo governo e a nova presidência da Guiné-Bissau?
JS: Espera-se que
Domingos Simões Pereira e José Mário Vaz possam cumprir com as expectativas que
os eleitores depositaram neles. E, sobretudo, que durante os seus mandatos
possam recuperar a dignidade dos cargos e das funções que vão desempenhar por
vontade expressa nas urnas. Ambos devem trabalhar em articulação e rodear-se da
melhor nata. As reformas no nosso país não devem resumir-se às preocupações
internas. É urgente recuperar a imagem exterior do país e isso só se conseguirá
com uma reforma também profunda nesse plano.
8-Conosaba: Entre PAIGC E PRS como
vai ser a coabitação? É possível um entendimento no parlamento e na governação
no nosso país?
JS: Bom, como sabe, o
Partido que ganhou as eleições legislativas é o PAIGC. E com maioria absoluta.
Em todo o caso, sou da opinião que entre ambos os partidos (e até alargado a
outros) é possível chegar a entendimentos a nível parlamentar e
extraparlamentar. Cheguei mesmo a sugerir, numa outra ocasião, que entre estes
partidos (e outros do nosso espectro político-partidário) se estabelecessem
Pactos de Regime duradoiros. Este entendimento alargado sobre os
principais dossiers nacionais é não só absolutamente
necessário como indispensável para a pacificação do país e para uma boa e
estável governação. Creio que tem havido diligências nesse sentido. Sabe, há já
algo que mudou no nosso país. Até agora ninguém sabe quem vai integrar o
próximo elenco governamental e pouco ou nada se sabe das diligências que estão
a ser feitas a outros níveis. Isso é um bom sinal. Mesmo aqueles rumores e
boatos que a partir de uma determinada altura confiscaram o nosso sistema
político e institucional parece que de repente terminaram.
9-Conosaba: Afinal quem tem
razão, CEDEAO ou CPLP neste caso de conflito
de 12 de Abril de 2012?
JS: Aqui não se trata de
fazer juízos de valor sobre quem tem razão e quem não a tem. Mas, é evidente
que as posições relativamente a um facto (o golpe de Estado de 12 de Abril de
2012) e a forma de gerir o processo foram, sem dúvida, diferentes. Devo
dizer-lhe claramente que, nos tempos que correm, ninguém (nenhuma organização
regional, continental ou mundial) em seu pleno juízo aceita tacitamente um
golpe de Estado contra qualquer governo legitimado nas urnas. E nessa matéria a
margem de manobra será cada vez mais estreita nos próximos tempos. Em todo o caso,
acho que o mais relevante nesta altura é lançarmos um olhar em relação ao
futuro. E o futuro do nosso país passa necessariamente pelo reforço da nossa
participação e posição no quadro dessas duas organizações, defendendo sempre os
interesses do nosso país. Temos também acrescidas responsabilidades no que
concerne a mudança da imagem do nosso país junto destas duas organizações e no
plano exterior, lacto senso.
10-Conosaba: Ramos Horta foi a
chave fundamental desta transição na Guiné-Bissau?
JS: Não é fácil para ninguém trabalhar nas
condições objetivas e subjetivas que encontrou e em que trabalhou. Mas cumpriu
o seu papel. Houve uma transição pacífica e eleições legislativas e
presidenciais sem incidentes que permitem para já o país regressar à normalidade
constitucional. Que mais se poderia querer? Mas não foi só nesses aspetos que
ele trouxe uma vital contribuição. Trouxe Timor Leste para a esfera das
relações com a Guiné-Bissau. Como sabe a visita de governantes timorenses a
Bissau têm sido frequentes e intensas. A Guiné-Bissau e a Timor Leste podem
perfeitamente intensificar essas relações bilaterais e no quadro da CPLP
noutros moldes para benefício dos dois povos e países. Acredito que é isso o
que vai acontecer havendo vontade político como me parece que vai haver.
11. Conosaba: Disseram-me
há pouco tempo, que numa das suas intervenções em Aveiro, pediu às ONG’s que
operam na Guiné-Bissau para que deixassem de divulgar imagens das crianças
guineenses nofacebook e noutras redes sociais, e foi muito aplaudido.
É Verdade?
JS: É verdade. Foi um gesto (um pedido)
voluntário, muito pessoal. As crianças da nossa terra, apesar de tudo têm
direito à imagem. Sei que não há nenhuma maldade nisso, mas acho que devemos
defender também o direito à imagem, à privacidade e à reserva das nossas
crianças, sem retirar valor ao trabalho que algumas ONG´s têm feito nosso país.
12-Conosaba: Para findar a nossa
entrevista, fala-me um pouco sobre regresso da TAP a Guiné-Bissau...
JS: O regresso da TAP à Guiné-Bissau será
um regresso natural de uma companhia com história nas ligações entre a
Guiné-Bissau e a sua diáspora europeia. Por isso, na altura própria devemos
saudar esse regresso. Contudo, as novas autoridades da Guiné-Bissau não devem
colocar de lado a hipótese, havendo condições para isso, de criar uma companhia
própria e/ou de criar condições para a entrada na concorrência de outros
operadores, de modo a baixar substancialmente os preços das viagens, o que
naturalmente interessa aos nossos emigrantes em Portugal e na Europa. Em
qualquer circunstância o que deve estar sempre em cima da mesa e motivar as
nossas ações nesse domínio e em todos os outros é a defesa do interesse
nacional e dos interesses dos nossos compatriotas que vivem e trabalham no
exterior.
Feito por: Pate Cabral Djob