29.08.2015 | Fonte de informações:
Nota: quando este texto foi escrito, ainda não era do
conhecimento público o que se teria passado na Assembleia Nacional da Guiné-Bissau, pelas razões abaixo evocadas. O que
se sabe é que, apesar de manifestações e apelos contrários o indigitado
Primeiro-ministro já terá nomeado alguns membros do seu gabinete!
por: Eugénio Costa Almeida*
Há umas semanas que o país de Amílcar Cabral está em crise político-governativa -
diga-se, nada que não seja habitual, só que, desta, vez interpares - devido a
duas supostas desconvergência: de um lado o Presidente da República (PR) José
Mário Vaz, vulgo Jomav (do PAIGC), não se entendia com a governação do seu
Primeiro-ministro (PM), Domingos Simões Pereira (do PAIGC); outra razão, esta
evocada pelo PR, o de haver um mútuo conflito de personalidades ou
incompatibilidades de personalidades.
Bom, que se entenda haver divergências quanto à
governação, é perfeitamente natural em regimes semi-presidencialistas,
principalmente se forem de convicções políticas diferentes - o que, diga-se,
não era o caso, já que ambos vêm do mesmo parido, o PAIGC - ou devido a
personalidades diferenciadas.
Mas eventuais conflitos pessoais ou incompatibilidades
de personalidades por razões de desencontros de caracter serem fundamentos para
destituir um Governo que, tudo parecia indicar e a comunidade internacional o atestava,
andava a conseguir apresentar uma governação sustentável e credível, parece não
dar como certas, de jeito algum, as justificações presidenciais.
Como fica a imagem do PR e, por extensão da
Guiné-Bissau?
Uma das razões evocadas pelo PR passa por perguntar
por fundos que teriam sido colocados à disposição do PM e que, segundo aquele,
este teria dado caminho desconhecido; o que parece ser desmentido quer pelos
parceiros internacionais que colocaram esses fundos à disposição do Governo,
como pela CEDEAO ou pelas palavras do alto-representante do Secretário-geral da
ONU, senhor Ramos-Horta.
Também o Chefe de Estado anda há uns tempos, a ser
questionado quanto ao destino de uma certa quantia colocada à sua disposição
por Angola para restruturação das Forças Armadas da Guiné-Bissau...
Registe-se que enquanto os dois actores principais
desta tragicomédia Bissau-guineense discutiam razões e contra-razões para a
demissão governamental e o PR analisava com os seus conselheiros de Estado
essas mesmas causas, o Chefe de Estado decide suspender a reunião evocando que
"teria sido chamado"(?!) pelos presidentes do Senegal e da República
da Guiné (Conakri), a Dakar, para uma reunião urgente.
Um Chefe de Estado de um país independente suspender
uma reunião de Estado para se humilhar a mandos de presidentes de países
vizinhos? Desde quando? E como fica Guiné-Bissau perante tal situação?
Subserviência?
Perante isto, como fica a imagem do PR e, por extensão
da Guiné-Bissau?
E ainda por cima perante dois países que já tinham
dado mostras de quererem mandar no país de Cabral, Nino ou Mané sem resultado e
que, em determinada crise político-militar foram vergonhosamente derrotados
pelas forças militares da Guiné-Bissau? Vingança guinéu-senegalesa
esperada e que se oferece fria, gélida?
Se não foi, como se explica que quase logo após o
regresso da reunião acabou mesmo por sair a demissão do Governo de Simões
Pereira?
E porque de "ses" e de "talvezes"
- e muito menos de makas - a vida política não sobrevive, acresce a estes
factos o que constar que também Marrocos - ao mais alto nível - poderá estar
interessado na manutenção da queda do legitimado, pelo voto parlamentar e
popular, Governo de Simões Pereira.
Estranho, talvez não quando se sabe que o indigitado
novo PM - por iniciativa presidencial, que, segundo dizem os Bissau-guineenses
não está prevista nem equacionada na sua Constituição - tenha dado ordens de
pagar os vencimentos de Agosto dos funcionários públicos, que será cerca de 3,5
mil milhões de Francos CFA e só haver em tesouraria cerca de 2 mil milhões de
FCFA.
Espantoso? Talvez! A não ser que dos cofres de uma
certa casa real do Maghreb emerjam esses fundos complementares...
Como fica a imagem do PR e, por
extensão da Guiné-Bissau?
Como deseja o Chefe de Estado da Guiné-Bissau fazer
legitimar o seu novo PM no Parlamento quando todas as forças políticas com
assento parlamentar já disseram não acolher a demissão do Governo considerado
legítimo e a nomeação de um Governo cuja proveniência, apesar de atestada pelo
PR, é, no mínimo, um pouco dúbia?
Não devemos esquecer que o indigitado novo Chefe de
Governo, Baciro Djá, era até há pouco tempo 3º vice-presidente do PAIGC e
enquanto membro do Parlamento viu várias das suas propostas serem todas, ou a
grande maioria, rejeitadas.
Ora como poderá o indigitado PM poder fazer passar na
Assembleia Nacional o seu Governo? Será que haverá pressões externas para que
isso aconteça? Só assim se justifica que a Rádio Nacional da Guiné-Bissau,
contrariando o habitual, tenha decidido extemporaneamente e por ordens
superiores, não transmitir as sessões parlamentares onde o novo Governo e o seu
programa se iriam colocar a votação.
Porque o PR não ouve os seus concidadãos que o votaram
para Presidente, à segunda volta, nem os partidos políticos, com ou sem assento
parlamentar - pelo menos à vista de todos -, que continuam a apoiar o
destituído Governo de Simões Pereira?
E porque só os países francófonos apoiam as medidas,
que parecem pouco constitucionais, de José Mário Vaz? Até a claramente
insuspeita Nigéria - sempre pronta para decidir das "atitudes" dos
Estados da CEDEAO - já afirmou que está desiludida com as medidas do Chefe de
Estado. Será porque Simões Pereira - não esquecer que foi secretário-geral da
CPLP - não parece inclinado para manter o predomínio do francês no País?
E onde anda essa mesma CPLP? Até agora só Timor-Leste,
bem como a comunidade internacional, decidiu suspender as ajudas e cooperação
com a Guiné-Bissau. Do resto, alguém ouviu alguma coisa? Nem Angola, que
deveria ser a primeira a questionar certos factos se manifesta - o tal fundo
que, eventualmente, teríamos concedido a Bissau, sempre existiu? A quem foi
entregue e porque nos mantemos mudos?
À primeira vista, e apesar dos militares persistirem
em se manter afastados desta contenda política - ainda que um dos seus, o
almirantado Zamora Induta, dizem , estar sob vigilância domiciliária e de
passaporte cassado o que lhe impede de prosseguir os seus estudos académicos em
Portugal - tudo faz parecer que, em certos círculos diplomáticos se deseja que
a Guiné-Bissau volte a ser considerado - como já o foi e não se deve esquecer -
um Narco-estado ou, em alternativa, um Estado falhado!
Ora isso só interessa a quem? Não é, de certeza, ao
Povo Bissau-guineense nem à sua classe política.
Daí que se volte a perguntar como ficam a imagem do
Chefe de Estado e, por extensão da Guiné-Bissau? Recordemos que, por muito
menos, a cassação do mandato presidencial foi decretado a um certo Presidente
de uma República Lusófona - ainda que não seja de descarta o mesmo à sua actual
Presidente...
*Investigador do CEI-IUL e do CINAMIL
24.Ago.2015
Publicado no semanário Novo Jornal, edição 395,
de 28.Agosto.2015, 1º caderno, página 18
Investigador/Researcher at the
Center for International Studies (ISCTE-IUL) and CINAMIL (Portugal's Military
Academy Centre for Research, Development and Innovation)