Lusa 05 Mai, 2016,
09:43 | Mundo
Domingos Tê,
pastor evangélico, recorda a época em que muita gente fez dinheiro a vender
sacos de cocaína que deram à costa na região de Biombo, de onde é natural, a 20
quilómetros de Bissau.
"Foi
entre 2005 e 2006. No princípio, pensava-se que era adubo. Uns usaram esses
sacos nos campos, outros guardaram-nos", descreve.
Fontes
policiais fazem referência a um grande carregamento que na altura terá caído ao
mar, mas também a outros sacos (de 10 a 15 quilos) que se perderam noutras
transações.
"Depois
de se saber que era cocaína, a notícia começou a espalhar-se. Hoje há muita
casa construída por ali com o dinheiro da droga" que, por acidente, foi
parar às mãos da população e que depois foi comprada por traficantes que
percorreram as aldeias.
Mal sabia
Domingos Tê, de 67 anos, que ainda havia de lidar com as consequências do
consumo de cocaína.
Hoje ele dirige
o único centro de tratamento para doentes mentais e toxicodependentes de todo o
país, que funciona à beira de um braço de mar, em Quinhamel, na região de
Biombo, em condições deploráveis.
São casas em
adobe e barracas onde 67 utentes (50 dos quais a tentar largar os
estupefacientes) dormem no chão, no meio de velhos colchões e lençóis, sob
folhas de zinco que ameaçam ruir na época das chuvas. O bloco da cozinha veio
abaixo durante uma tempestade em 2015, em que o rio galgou o espaço e levou um
utente que morreu afogado.
O pastor
lamenta o estado das instalações, mas explica que as dádivas e aquilo que as
famílias pagam por cada utente "mal chegam para comprar comida", um
bem escasso no centro.
O treino que
recebeu no Hospital Psiquiátrico Sobral Cid, em Coimbra, entre 2009 e 2010,
serve-lhe para receitar e administrar a medicação que amigos e instituições lhe
oferecem regularmente.
Não falta
quem questione as suas habilitações ou os métodos que utiliza -- que incluem a
prisão temporária de recém-chegados.
Domingos Tê
reconhece que "por vezes é necessário, pela agressividade com que chegam.
É a polícia e são as famílias que pedem para os prender" e que pedem
satisfações se eles conseguem sair do centro e voltar a casa.
"Tenho
aqui filhos e familiares de militares, políticos e deputados. É aqui que os vêm
deixar quando ficam alterados e já não podem estar em casa, mas o Estado não
nos apoia", refere António Tê.
No centro de
Quinhamel há dez utentes abandonados pelos familiares, muitos "com
agressões graves" e há famílias "que se mudaram sem deixar rasto
depois" de ali os deixar.