A seguir à estabilização
política e social do País importa criar condições de modernização e capacitação
institucional do Estado por forma a garantir um desenvolvimento sustentável da
Nação.
Tal como a educação, saúde,
justiça, segurança, defesa, etc., também a descentralização e o poder local são
pilares da consolidação do projeto Nação, daí ser essencial avaliar o processo
de criação das autarquias locais no sentido de definir, com coerência e
responsabilidade, os centros de decisão e de poder público, conferindo dessa
forma maior integridade as políticas públicas desenvolvidas num espaço
territorial.
Como expoente máximo de
poder público de proximidade, a autarquia local é uma das formas mais nobres de
fazer política, ou seja, só com a consolidação das autarquias se atinge o
verdadeiro sentimento de pertença a um espaço e a uma comunidade – “sense Of
place and sense Of Community". Aliás, creio que com a descentralização de
poder e institucionalização das autarquias locais o Estado estará mais próximo
do cidadão e garantirá maior oferta de bens públicos.
Entendo que é importante
olhar para as autarquias locais como elementos estruturantes da organização
democrática do Estado, pessoas de direito público de base territorial, dotadas
de órgãos próprios, baseados no princípio da representatividade democrática,
tendo por objetivo a prossecução dos interesses próprios das populações. Em bom
rigor, falar do poder local e da municipalidade é falar da importância que o
mesmo reveste na articulação de um poder intermédio que tem por função criar
condições e respetivas competências nas áreas de provisão de bens públicos, nomeadamente,
a rede de saneamento básico e de abastecimento de águas, requalificação urbana,
planeamento e ordenamento do território, acessibilidades, mobilidade territorial,
educação, ensino básico, creche, jardim-de-infância, centros de saúde, equipamentos
culturais, ambiente, desporto, sendo que estas funções podem e devem ser desenvolvidas
por municípios e suas associações (juntas de freguesias e associações
municipais).
A existência de autarquias
locais, sendo estas pessoas coletivas de população e território dotadas de
órgãos representativos que visam a prossecução dos interesses próprios, comuns
e específicos das respetivas populações, pode em parte resolver alguns
conflitos de poder entre as componentes Estado, administração pública, governo
e outros órgãos de soberania.
Certamente existe uma
responsabilidade direta dos autarcas eleitos pelos seus concidadãos no espaço
territorial que gerem e em que todos vivem e trabalham, daí que o mesmo deve
ser observado tendo em conta duas dimensões inquestionáveis de exercício do
poder: 1) Dimensão política: território, gentes e dinâmicas económicas e
sociais; 2) Dimensão de gestão: instituições, administração e sustentabilidade.
A conjugação destas duas
dimensões visam atingir os seguintes objetivos estratégicos: a) fortalecer o
Estado de direito e as suas instituições representativas; b) assegurar um
ambiente político e macroeconómico estável; c) promover o desenvolvimento
económico e social durável; d) aumentar o nível de desenvolvimento do capital humano
do País.
A propósito, talvez falar
diretamente da minha experiência como dirigente autárquico, gestor e responsável
pela área estratégica, projetos de desenvolvimento e financiamentos de uma autarquia
local, torna mais fácil situar a importância da minha tese e defesa na
implementação do poder local na Guiné-Bissau, sem querer com isso fazer
comparações, tomar partido ou influenciar seja o que for, mas, somente, partilhar
a experiência marcante sobre o que é poder local e como o mesmo influencia as
nossas vidas.
Recuo até ao ano de 1998
altura em que fui convidado pelo então presidente do meu município para chefiar
o gabinete de projetos especiais do mesmo, desenvolver o plano estratégico do
concelho e acompanhar a execução do Quadro Comunitário de Apoio da União
Europeia, instrumento financeiro de apoio aos planos de desenvolvimento regional
dos Estado-membros.
Elaborou-se um diagnóstico
prospetivo e um quadro conceptual e metodológico, bem como a definição de uma Visão
Estratégica para o Município para os próximos 15 anos (documento neste momento
encontra-se de novo em atualização face aos objetivos que já foram atingidos
nestes últimos anos) que explanava claramente a posição do município e do
concelho naquela altura e onde pretendia estar no futuro.
Nessa altura as prioridades
definidas pelo município passavam essencialmente pelo investimento em
infraestruturas básicas de saneamento e reforço de abastecimento da água, redes
viárias e equipamentos sociais. Os índices eram muito baixos, tanto em termos
da taxa de cobertura de saneamento básico como também de abastecimento de
águas, concretamente 50% e 42% respetivamente, uma vez que só o centro da
cidade é que ainda estava servido e era necessário aumentar a taxa de cobertura
no meio rural.
Decorridos 15 anos, com
grande investimento em termos de capital financeiro e humano, infraestruturas
básicas e científicas, o município de Rio Maior tornou-se numa cidade moderna
com referência mundial nas áreas da Educação, Ensino, Investigação, Desporto,
empreendedorismo e centro empresarial de negócios de excelência.
Na verdade, infraestruturou-se
o concelho com a rede de saneamento básico e de abastecimento de águas, cujas
taxa de cobertura hoje correspondem cerca de 98% e 100% respetivamente; procedeu-se
à revisão do plano diretor municipal; defendeu-se um programa estratégico;
equipou-se o concelho com centros escolares de topo; revitalizou-se o espaço
industrial e criou-se uma área de localização empresarial; negociou-se o parque
eólico e rede de energia elétrica; investiu-se em acessibilidades e redes viárias;
dotou-se a cidade com bibliotecas, equipamentos sociais e desportivos, creches,
jardim-de-infância, centros de dia e lares de idosos, espaços públicos com
acessos à internet, escolas apetrechadas com rede informática e tecnológica, etc.
Tudo foi feito de acordo com
a legislação em vigor, com recursos financeiros do orçamento municipal, através
de arrecadação / cobrança de receitas, conforme a Lei das Finanças Locais, Fundos
Europeus, Fundos de Coesão e Contratos-Programa celebrados com a administração
central, transversal a todos os partidos do arco da governação. A foto a
seguinte evidencia apenas alguns equipamentos construídos ao longo dos últimos
15 anos.
Foto: Município de Rio Maior / Montagem: Luís
Vicente
O índice de cobertura dos
equipamentos sociais públicos, nomeadamente escolas básicas integradas,
bibliotecas, lares de idosos, centros de saúde, escola profissional, escola superior,
instalações desportivas, etc., eram reduzidos nessa altura, mas hoje o concelho
está totalmente dotado de tais equipamentos e com condições acima da média
nacional e europeia.
Por conseguinte, quinze anos
depois, uma criança que nasce a certeza de uma creche, jardim-de-infância,
ciclo preparatório, ensino básico, secundário, escola profissional e ensino
superior. Hoje, um idoso pode optar, caso pretender estar na companhia dos
demais da sua idade, por um lar e um centro de dia, se precisar de um médico e
de um centro de saúde ou de um hospital tem à sua disposição equipa médica,
material e medicamentosa. Já não existem poços ou “fontes”, nem filas enormes
para captação da água nas zonais rurais, e o acesso ao centro da cidade tornou-se
mais rápido e confortável, tanto para quem desloca em negócios como para colocação
dos seus produtos, mercadorias, serviços, etc., atendendo ao grande
investimento feito na rede viária concelhia e supraconcelhia.
Tudo isso acontece num
concelho com pouco mais de 272 km2 e com cerca de 21 mil habitantes, onde o
maior recurso são as pessoas, o povo, os homens e mulheres que acreditaram numa
causa e procuraram cumpri-la com paixão, dedicação e trabalho.
Na verdade, a falta de visão
estratégica e o conceito espacial de alguns decisores públicos, políticos em
particular, tendo sobretudo uma identificação pouco precisa dos objetivos
claros e coerentes, não conseguem lidar com os processos nem com os fatores
críticos de sucesso. Precisam, sobretudo, de encontrar um caminho para se
manterem no quadro da competitividade, salvaguardando o bem-estar dos seus
povos. Este é o espírito de missão que carateriza um político visionário com
capacidade de decisão e determinação, capaz de combinar recursos técnicos,
humanos, financeiros, materiais e gestão da informação, colocados à sua
disposição e projetar uma visão clara sobre a dinâmica da construção de uma
cidade e/ou de um País.
Mas, voltando à questão da
Guiné-Bissau e a necessidade de implementação dos municípios e suas
associações, gostaria de reforçar a importância que deverá ser dada a este assunto
tendo em conta o mecanismo de ajustamento de poderes, atribuição de
competências e responsabilidade no quadro de um normativo específico.
Assim, talvez reportando
alguns cenários de enquadramento, poderia avançar que, invariavelmente, para se
pensar numa possibilidade destas seria bastante importante aflorar alguns
pontos que devem ser observados na implementação das autarquias locais,
nomeadamente, o Enquadramento Constitucional das Autarquias Locais, a Lei do Financiamento
Local e o Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos órgãos
dos municípios.
No que concerne à Lei do
Financiamento Local, por exemplo, a organização político-administrativa do
Estado segundo diferentes níveis de administração poderia prever, em primeiro
lugar, uma tão clara quanto possível identificação das competências de cada um
deles. A definição dessas funções servirá, posteriormente, para estimar os
encargos decorrentes do seu desempenho e decidir quanto às modalidades do seu
financiamento. A viabilização, de facto, de qualquer processo de distribuição
de competências pelas autarquias locais exige que se lhes atribuam as fontes de
financiamento que, de modo estável e previsível, lhes permitam executar as
funções que lhes forem cometidas, impliquem elas despesas correntes ou de
investimento (também designado por despesas de capital).
Em boa verdade, as
autarquias locais têm como principais fontes de receita a participação nos
impostos, as taxas sobre bens e serviços e as subvenções/subsídios/comparticipações.
Por exemplo, a matéria relativa aos impostos abrange, em abstrato, o direito a
legislar sobre eles, o direito a receber as correspondentes receitas e, por
fim, o direito a administrar o processo fiscal, incluindo o domínio da
fiscalização. As soluções a adotar poderiam distribuir estas competências por
diferentes níveis de administração, concentrá-las num só, ou promover a
cooperação e a coordenação entre eles, pelo menos nalguns aspetos.
Segundo esta ordem de
ideias, os impostos geradores de receitas para as autarquias locais podem-se
sistematizar em diversos tipos: taxas, impostos próprios, derramas,
participações nas receitas fiscais do Estado, subvenções, venda de bens
correntes e de investimentos. Todavia, a unidade do sistema fiscal justifica
com frequência que a capacidade originária para legislar nesta matéria resida
no Estado, o qual, por essa via, fixará os limites dentro dos quais se pode
desenvolver a autonomia local.
No entanto, para além da
abordagem destes dois campos de atuação como sendo um processo de integração
local, é importante também observar os domínios de atuação das autarquias
locais tendo em conta a sua proximidade ao cidadão. Assim, é de referir que a
Constituição da República Guineense carateriza as autarquias locais como
pessoas coletivas territoriais, de órgãos representativos, que visam a
prossecução de interesses próprios das comunidades locais, não se subtraindo à
estrutura unitária do Estado (n.º 2 do art.º 105º CR).
Entendo, salvo melhor
opinião, que é importante considerar, durante esta legislatura que se inicia, a
discussão em torno da criação da Lei-quadro das autarquias locais que tenha em conta
os poderes e a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos,
prevendo o exercício de atribuições nos seguintes domínios:
a)
Cultura e património histórico;
b)
Apoios às atividades produtivas;
c)
Educação e formação profissional;
d)
Juventude, desporto e tempos livres;
e)
Desenvolvimento económico e social;
f)
Turismo e desenvolvimento sustentável;
g)
Planeamento e ordenamento do território;
h)
Equipamento social, redes e vias de
comunicação;
i)
Rede de abastecimento de água e saneamento
básico;
j)
Ambiente, conservação da natureza e recursos
hídricos.
Dessa forma, o poder local possibilitaria
a milhares de guineenses a participação na vida cívica pelo facto de ser um
poder de proximidade e não permitir que a democracia seja um privilégio de uma
minoria e/ou de uma classe sedeada em Bissau. Assim é que, em parceria, os três agentes pilares
fundamentais do desenvolvimento sustentável de uma região (universidades,
empresas e sector público e Institucional) ganham a eficácia necessária com a imprescindível
criação das autarquias locais.
Por último, recomendo que se
criem condições para uma revisão constitucional que consubstancia a criação: 1)
Lei-quadro das Autarquias Locais; 2) Lei Eleitoral das Autarquias Locais; 3) Lei
das Finanças Locais; 4) Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento
dos órgãos dos Municípios;
Ainda, sugiro que se avance com
o projeto-piloto de implementação faseada das autarquias locais em grandes
regiões e a sua consolidação em duas legislaturas; Estabelecer o quadro de
transferência de atribuições e competências para as autarquias locais; Proceder
a elaboração dos estatutos das entidades intermunicipais e o regime jurídico do
associativismo autárquico; Estabelecer o quadro de competências, assim como o
regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias.
Chamo atenção para o facto
de este pequeno ensaio poder ser materializado com mais contributos, tais como a
proposta de implementação de um senado ou mini camara de representantes constituído
por “Sobas, Régulos, Anciões ou Sábios” de todas as etnias, para discussões de
grandes temas que têm a ver com as componentes “tradição, usos e costumes” do País,
como condição “sine qua non” deste projeto estruturante. Seria muito importante
ter isso em conta quando da discussão do processo de criação e implementação do poder local no País e, julgo até, que este é momento
oportuno, no quadro da parceria de incidência parlamentar que presentemente
está a ser discutida entre os dois grandes partidos.
Lisboa, 22-05-2014.
Luís Vicente