A Guiné-Bissau é um caso bastante original em África. A primeira razão é por Portugal ter aproveitado a oportunidade da Conferência de Berlim de 1886, para assinar com a França uma convenção: em troca do reconhecimento do Mapa Cor-de-Rosa e de efémeros direitos à faixa da África austral que liga a costa de Angola à costa de Moçambique, Portugal cedia à França, a Norte, a região de Casamansa; contra Cacine, pequena compensação a Sul.
As potências colonizadoras estavam, na altura, apenas interessadas na definição dos limites da terra firme (incluindo, claro, as ilhas), pois o mar era considerado livre, sendo a noção de mar territorial limitado ao alcance de um canhão. No entanto, com o aparecimento da exploração de petróleo offshore, o caso mudou de figura, e a Guiné-Bissau apresenta também a originalidade de ter tido a primeira fronteira marítima (para além do mar territorial) em toda a África.
O caso aconteceu em 1958, com a sobreposição de licenças de prospecção de petróleo, na mesma zona, concedidas à Exxon, por parte de Portugal e à Total, pela França. O inevitável litígio veio a dar origem a um acordo luso-francês (efectuado por troca de notas diplomáticas), a 26 de Abril de 1960, tomando por referência o farol de Cabo Roxo e estabelecendo por limite um azimute de 240 graus, que se pretendia adaptado «à configuração do país».
O azimute 240 (em 360), se substituirmos a bússola por um relógio com a mesma orientação (o meia-dia indicando o Norte) traduz-se pelas 8 horas, ou dois terços se estivermos a falar de um bolo, grosso modo a orientação dos rios da região. Embora a França, por essa altura, já não pudesse decidir da fronteira Sul, pois a Guiné Conacri havia declarado independência precoce, parece óbvio que o entendimento de Portugal se referia a ambas as fronteiras.
Em todo o Norte de África, a delimitação das fronteiras marítimas correspondem a simples paralelos: seguindo aproximadamente o azimute 270; perpendiculares e aproximadamente fiéis a uma linha de costa Norte-Sul. No entanto, precisamente por altura da Guiné-Bissau, a costa começa a definir o Golfo e a «barriga» de África: esta repartição beneficiou claramente o Senegal, em 30º (ou 1 hora), pois a sua costa Sul corre toda de Norte.
Mais tarde, os vizinhos do Sul viriam a invocar a concessão de licenças e o patrulhamento dessa zona por barcos de guerra, sem oposição por parte de Portugal. Por seu lado, por Decreto-Lei de 27 de Junho de 1967, publicado em Diário da República, Portugal fazia concessões petrolíferas e invocava exclusividade em termos de jurisdição de pescas para Sul do paralelo definido por Conacri, igualmente sem que fossem registados protestos.
Em 1970, o decreto da Guiné-Conacri é publicado pelas Nações Unidas, enquanto na Marinha portuguesa circulavam acusações de violação do mar territorial e da zona contígua. Refira-se que, após o lançamento da luta armada pelo PAIGC, este Partido contava com o apoio do Presidente Sekou Tourê, tendo constituído bases de rectaguarda de apoio à guerrilha no seu território. Nesse ano, os portugueses efectuaram um raid militar sobre Conacri.
O facto é que as companhias petrolíferas, face ao litígio e à incerteza de ter que pagar a dois países, desistiram dos seus intentos iniciais. A simples ideia de que os direitos a adquirir possam estar, ou vir a estar, em litígio, é suficiente para afastar os mais sérios dos potenciais investidores: quem tem de fazer aplicações financeiras a longo prazo, gosta de ter garantias sólidas de estabilidade, de perceber o «risco político» como mínimo.