Caros irmãos do Progresso Nacional
Não quis deixar de ser um dos primeiros a aderir à vossa proposta construtiva para refletir sobre soluções para os bem conhecidos males da Guiné-Bissau, que ficaram bem patentes nos vários textos de balanço publicados por ocasião do quadragésimo aniversário da independência.
Por isso, sem prejuízo de uma reflexão mais aprofundada e detalhada, que espero remeter nos próximos dias, envio desde já um esboço das grandes linhas de força, nas quais julgo se deve alicerçar o PN.
Vou também dizendo que o vosso desafio deveria ser aceite pelos vários candidatos à Presidência e ao cargo de Primeiro-Ministro: não basta arrolar os males e manifestar o desejo de ver as coisas melhorar; é obrigatório que, para além de apresentarem uma visão realista da actual situação, associada à consciência dos parcos recursos que será possível mobilizar, apresentem propostas coerentes, bem informadas e fundamentadas, de soluções para a erradicação da grave doença que afecta o corpo nacional.
Acessoriamente, acrescentaria que o deveriam fazer, como defende o Didinho, de forma «institucional», ou seja, assumindo os poderes (mas também as limitações) da função (e sua articulação com os demais poderes) que se oferecem para desempenhar, para que as eleições possam contar com um voto esclarecido por parte dos guineenses, e não, como até aqui, baseados na mais descarada demagogia.
Aqui fica então o meu primeiro contributo.
À semelhança de Maslow, que definiu as necessidades do ser humano em cinco categorias, apresentando-as com a forma de «pirâmide», na qual uma necessidade de nível superior carece da satisfação da anterior, apontei também para cinco «necessidades» que julgo necessário satisfazer em prol do desenvolvimento da nação, no actual estádio em que se encontra.
1) De segurança. Nem vou falar da alimentar, porque essa deverá congregar todos os esforços (não de «pedincha» mas a caminho da auto-suficiência). Segurança, no sentido de umas Forças Armadas fortes, garantes da independência e soberania nacional, bem como da paz social interna. Tal como Sua Excelência o Presidente da República o afirmou ontem perante o mundo, é preciso sair do ciclo vicioso da pobreza que gera instabilidade, que por sua vez gera mais pobreza. Para isso, é necessário institucionalizar a estabilidade, o que, de certa forma, foi decididamente a parte positiva da convulsão originada pela interrupção da (des)ordem constitucional.
2) De pertença. Garantida a estabilidade, há que erradicar um certo sentimento nacional «bi-polar», que se manifesta em desidentificações desapropriadas, de superioridade ou inferioridade, no seio da nação guineense (incluindo a sua extensão insular, pois Cabo Verde só tem a ganhar com o desenvolvimento da Guiné-Bissau, dado que este trará decerto oportunidades para uma «emigração» de proximidade, mais consentânea com a saudade, que poderá beneficiar muitos dos seus quadros). Só consciencializando-se plenamente que HÁ um lugar no mundo para ela, a identidade nacional poderá florescer e garantir uma sólida motivação para o progresso. Também aqui, parece estarmos no bom caminho, estou a lembrar-me da afirmação do Doutor Paulo Gomes quanto à riqueza fundamental que constitui a grande diversidade (a todos os níveis) da pátria de Cabral.
3) Vontade de fazer. Consciência de que há um grande valor a criar, de que todos poderão vir a lucrar no futuro, dando as mãos. Mãos que é preciso por na massa, sem abrandar o grau de exigência que a esperança permite, sem perder de vista os frutos que terão de premiar, a curto prazo, uma boa organização do trabalho.
4) Reconhecimento do saber. Intrinsecamente relacionada com a anterior: será preciso mudar a mentalidade do doutor (vício importado do colonizador), pois um diploma académico não é forçosamente garantia de saber. Saber é sobretudo «saber fazer» e isso só pode ver-se na prática (estou-me a lembrar dos textos de Paulo Freire - grande admirador de Amílcar Cabral - sobre a práxis da emancipação), metendo as mãos à massa. Há muitos saberes, incluindo os tradicionais, que podem e devem ser incorporados contando com os mais velhos, com a participação e envolvimento de todos.
5) Transparência. Quem não deve, não teme. Se este princípio orientador, que se deve constituir como «polícia política», for implementado a todos os níveis, não deixará de se tornar num sinónimo de responsabilidade, sinalizando que estaremos no bom caminho.
Poderá pensar-se que me esqueci do papel da educação. Não me esqueci. A educação está no miserável estado em que está, à imagem do país. Será preciso uma «purga» com base no mérito, uma urgente requalificação dos professores e dos métodos, o retorno de uma massa crítica geracional que se encontra na Diáspora (respondendo a um apelo como aquele que sentiu o Doutor Paulo Gomes), para que não se hipoteque definitivamente o futuro, num hiato geracional irrecuperável. Devem-no à Guiné-Bissau.
Com os desejos de maiores felicidades para o Progresso Nacional e, uma vez mais, os parabéns pela iniciativa
José Fernando Gomes (7ze)