Bissau, 18 jun (Lusa) - Um grupo de jovens prepara, fuma e vende
'cannabis' sem medo da polícia num recanto do Bairro de Reno, em Bissau,
em pleno dia e apenas com uma fina chapa de zinco a fazer de portão.
"Às vezes, a polícia vem aí, mas nós pagamos qualquer coisa e eles
vão se embora", refere o traficante que lidera a operação, enquanto um
outro se oferece para vender pedras de 'crack' (cocaína cristalizada).
Este derivado, também chamado de 'quisa', é "mais caro" e está
guardado "em casa, ali ao lado", não faz parte do 'buffet' de "erva"
daquele recanto.
Sentado num banquinho, com toda a calma do mundo, um rapaz vai
enrolando cigarros e pacotes de folha de 'cannabis' picada, apoiado num
tabuleiro de plástico, colocado sobre os joelhos e onde dispõe papel de
cigarro, canivete e demais materiais e utensílios.
Mostra o produto e garante que é nacional, de excelente qualidade:
plantado em São Domingos, norte da Guiné-Bissau, transportado de carro
em fardos até Safim, às portas da capital, onde passa para carrinhos de
mão, de forma a contornar olhares indiscretos na alfândega.
Chega ao Bairro Militar, em Bissau, depois de empurrado pela força de
mãos, por entre campos de arroz, ao longo de sete quilómetros.
No final, aquele rapaz saca de um isqueiro e experimenta a 'liamba'
(outra designação dada à 'cannabis'), que partilha com amigos, tudo "sem
stress".
Por entre um labirinto de casas de adobe e barracas, lixo e esgotos, a
droga circula livremente -- e a zona nobre da capital está a cinco
minutos de caminhada a pé.
"A Guiné-Bissau não é apenas um país de trânsito. Também há consumo
de droga e é preciso dar atenção a este problema", refere um sociólogo
guineense do Instituto Nacional de Saúde Pública (INASA) que durante um
estudo ficou com a perceção de que o número de toxicodependentes está a
crescer.
Abílio Aleluia, 35 anos, passou a tomar contacto regular com esta
realidade para realizar um dos raros trabalhos sobre a prevalência do
consumo de drogas no país -- onde não há registos, dados históricos ou
outras informações arquivadas sobre o fenómeno.
O estudo surgiu como tese de mestrado em Lisboa e agora levou-o a
criar o Observatório Guineense da Droga e da Toxicodependência, que por
enquanto só existe no papel (registado no notariado em abril) e aguarda
por patrocinadores para começar a funcionar.
Abílio conduziu inquéritos a 90 consumidores entre os 15 e os 25 anos
durante dias a fio em 11 bancadas (pontos de convívio, nalguns dos
quais também se vende droga) da capital, onde cresceu, e nos arredores.
Descobriu que a 'cannabis' e 'crack' são as drogas mais baratas e
mais consumidas. Uma pedra de 'quisa' custa 2.500 francos CFA (3,8
euros) e a 'liamba' pode ser comprada a partir de 300 francos CFA
(alguns cêntimos de euro).
"Ouvi relatos de alguns toxicodependentes que começaram a consumir de
forma precoce, como uma brincadeira entre amigos, aos 10 anos de idade,
num ambiente familiar permissivo", relatou.
As relações "não ficaram muito afetadas quando os pais e encarregados
de educação descobriram o consumo de drogas" porque "as contribuições
financeiras do tráfico" ajudam a sustentar os agregados familiares. Se
entrar dinheiro, o consumo é menosprezado.
O novo observatório pretende trabalhar na prevenção junto das escolas e na recolha de dados.
"É importante que a Guiné-Bissau passe a ter uma estratégia para acompanhar este assunto", destaca Abílio Aleluia.
Por outro lado, a comunidade internacional "está muito centrada no
tráfico de cocaína" e ninguém presta atenção "à liamba que circula em
todo o país", lamenta Domingos Tê, 67 anos, pastor evangélico, diretor
do único centro de tratamento de toxicodependentes do país.
"O negócio começa a ganhar maiores proporções, o consumo cresce e
provoca alterações de comportamento graves", refere, de acordo com os
casos que acompanha.
O centro nunca tem mãos a medir e acolhe sempre entre 60 a 70 pessoas -- muito mais do que as parcas condições permitem.
Lusa