O Progresso Nacional orgulha-se hoje de apresentar, para comemorar o meio milhão de visualizações no seu blog (cada vez mais uma referência no panorama mediático guineense), uma grande reportagem, fruto de um jornalismo de investigação responsável e comprometido com o progresso nacional. Ao ritmo a que estamos a crescer, contamos apresentar a próxima grande reportagem daqui a menos de seis meses, para comemorar o número mágico de um milhão de leituras virtuais deste canal informativo.
Sempre na linha da frente da informação, aqui no PN, fazemos pesquisas todos os dias, para manter os guineenses informados sobre tudo o que se passa relativamente à Guiné-Bissau, apresentando depois a informação citando sempre a sua fonte original (basta seguir os links «veja aqui»). Foi assim que descobrimos a GBMinerals, um projeto de mineração de fosfatos na região de Farim, cotado na Bolsa de Valores canadiana, que publicitou, durante o mês de Agosto, uma nova emissão de 15 milhões de ações.
Esta investigação nasceu assim da nossa curiosidade: em termos de recursos minerais, sabíamos que temos a bauxite de Boé (associada ao projeto de um porto de águas profundas para Buba), prospeção petrolífera (também aurífera e diamantífera) em curso, sendo do domínio público a existência de potencial de fosfatos em Farim; no entanto, não tínhamos conhecimento de qualquer projeto em andamento. Daí a nossa surpresa perante o anúncio do início da mineração para princípio de 2014.
Decidimos pois analisar com todo o cuidado a informação proporcionada pela empresa, o sector de atividade e o ramo específico dos fosfatos. Gostaríamos de aprofundar o assunto, mas não temos tempo nem meios para isso, por isso, desde já solicitamos a quem seja mais entendido, tenha mais informações ou repare nalguma imprecisão, que nos comunique por email, que faremos as necessárias retificações.
Escrevemos um email à empresa solicitando alguns complementos de informações, não tendo obtido, até à data, qualquer resposta. Fizemos diligências, junto da respetivo Ministério e Direção Geral da tutela, para tentar confirmar a documentação apresentada pela empresa, igualmente sem sucesso, como adiante descreveremos, de forma mais detalhada.
Antes de dar início à apresentação do trabalho, gostaríamos de frisar que somos favoráveis a todos os projetos sérios de desenvolvimento económico. No entanto, defendemos igualmente a transparência, a informação, a reflexão e a discussão pública das vantagens e desvantagens dos projetos, responsabilizando decisores, contribuindo desse modo para equilibrar a balança de oportunidades e ameaças, acautelando o interesse público no âmbito de um verdadeiro Progresso Nacional que se pretende sustentável.
FOSFATOS DE FARIM
Em 1950, um furo geotécnico de prospeção com fins hidrológicos, assinalou pela primeira vez a existência de fosfatos na zona; quinze anos mais tarde, em 1965, um furo promovido pela ESSO em busca de petróleo, viria a confirmá-lo. Entre 1981 e 1983, os franceses efetuariam um estudo geológico detalhado expressamente vocacionado para os fosfatos, abrindo uma centena de furos e drenando mais de cinco mil metros lineares para amostragem, o que permitiu delinear e quantificar a dimensão do depósito, culminando num primeiro estudo de viabilidade económica, conduzido pela Sofremines em 1986, estudo que se revelou positivo e encorajador. No entanto, as condições do mercado na altura, com a baixa cotação dos fosfatos, associada a considerações de estabilidade política, levaram os franceses a afastarem-se deste projeto.
Em 1997, uma empresa canadiana, a Champion Ressources, adquiriu (não nos foi possível determinar em que condições) a propriedade do depósito de Farim, tendo conduzido, nos dois anos seguintes, trabalhos de prospeção de diamantes, abrindo 34 furos e estudando cerca de 1800 m, com o objetivo principal de recolher amostras para testes de qualidade e de aproveitamento metalúrgico, com resultados uma vez mais bastante encorajadores, quanto ao teor de fostatos (do qual depende essencialmente o seu valor económico). A empresa conduziu igualmente estudos que demonstraram a viabilidade económica da exploração mineira; no entanto, os baixos preços dos fosfatos no mercado e considerações de instabilidade política, voltaram a travar o desenvolvimento do projeto.
Refira-se que os elementos e dados disponíveis sobre o projeto (incluindo todas as amostras das escavações anteriores) na Direção Geral de Geologia e Minas foram destruídos durante um bombardeamento ocorrido nas suas instalações durante a guerra 1998/99, o que impossibilitou o acesso a elementos históricos vitais (corresponderá esta informação à verdade?).
Uns anos mais tarde, em 2004, uma companhia suíça expressamente criada para o desenvolvimento do projecto, a GB Phosphate, adquiriu uma licença de exploração (também nos foi impossível apurar em que condições), abrindo três dezenas de furos e escavando 1500 m, incluindo, pela primeira vez, uma secção de terreno (e não apenas furos), não só confirmando os resultados de estudos anteriores, mas até melhorando o nível das expectativas.
Entretanto, o preço dos fosfatos no mercado mundial, até aí relativamente estável desde há décadas, negociando abaixo dos cinquenta dólares americanos por tonelada, começou a subir. Primeiro lentamente, passando a barreira dos $60 em 2005; chegando quase aos $80 em 2007; para disparar, em 2008, para uns impressionantes $350 por tonelada em 2008, num surto especulativo; o preço dos fosfatos recuperou nos anos seguintes alguma estabilidade e regularidade no abastecimento do mercado, em torno de metade desse valor extremo, $170 a tonelada, ou seja, mais do triplo do valor do mineral ao longo das décadas anteriores.
Em termos da procura global por matérias-primas, é consensual considerar que a emergência da China colocou o mercado sob pressão da procura. Ou seja: a capacidade de oferta está ainda pouco estruturada (nesta área de negócio, as decisões são lentas e morosas, como, aliás, este projeto demonstra à exaustão) e levará bastante tempo a adaptar-se, pelo que é normal supor que o nível de preços se manterá sustentado em níveis relativamente «inflaccionados». A China, se dispõe da maior produção mundial de fosfatos (cerca de 40%), dispõe apenas de uma pequena parte das reservas mundiais conhecidas (5%), pelo que o carácter intensivo da sua exploração (as reservas não durarão mais de cinquenta anos a esse ritmo de extração) induz a necessidade de encontrar alternativas a tempo (medido em décadas).
O mercado de fosfatos tem ainda a particularidade de representar apenas um sexto (30 milhões de toneladas) da produção total a nível global (cerca de 180 milhões), pois a maior parte das multinacionais e empresas do ramo, estão verticalmente integradas, ou seja dispõem já dos seus próprios jazigos e explorações mineiras, gerindo internamente as suas disponibilidades. As utilizações dos fostatos, única fonte mineral significativa de fósforo na natureza, consistem em fertilizantes para a agricultura (pois contêm três nutrientes essenciais para as plantas: nitrogénio, fósforo e potássio), bem como uma pequena parte destinada à indústria química, pois entra na composição de certos detergentes.
O aumento da população mundial (e consequente procura por alimentos), associado à tendência de desertificação de muitas terras aráveis, eleva este mineral à categoria de «estratégico», na atual guerra económica pela sua acessibilidade, em África (neste caso, com 85% da reservas mundiais de fosfatos), entre as grandes potências. A Guiné-Bissau, se o projeto avançar, poderia passar a representar entre 3 a 5% do mercado «livre», diminuindo a dependência em relação a Marrocos, o maior produtor mundial (e detentor das maiores reservas mundiais).
Nestas novas condições de mercado, delineadas a partir de 2005, os suíços, já sob a atual designação de GB Minerals (AG) procederam então a um estudo de impacto ambiental, cujos resultados lhe permitiram assinar um acordo com «o Governo da Guiné-Bissau», em 2009. Acordo esse incluindo uma licença de produção e «numerosos incentivos e concessões», que reportam ter custado cerca de «vinte milhões de euros». Segundo a empresa, o acordo garante-lhe propriedade total e exclusiva do negócio de cerca de 65 milhões de toneladas em reservas, sem qualquer participação do Estado, por períodos de vinte e cinco anos renováveis, sem quaisquer taxas, licenças ou outro género de custos, a isenção total de impostos de rendimento durante dez anos, bem como a possibilidade de construir estradas, pontes e pipelines à sua conveniência e único critério. A empresa, na sua apresentação aos acionistas, afirma ainda esperar recuperar o investimento em dois anos, ao preço atual dos fosfatos.
Ver as duas licenças (estranhamente e ao contrário de anteriores procedimentos, emitidas pelo Ministério da Energia e Recursos Naturais e não pela Direcção Geral de Geologia e Minas) datadas desse ano. Na nossa opinião, julgamos que documentos públicos como estes deveriam estar disponíveis para consulta (bem como caderno de encargos, estudos de impacto ambiental e outros documentos anexos), por isso abordámos, há cerca de duas semanas, tanto esse Ministério como a Direção Geral, mas lamentavelmente, não nos foi possível confirmar sequer a existência desses documentos oficiais, tendo apenas sido confrontados com a estranheza dos funcionários (a que depois se veio juntar a suspeita acerca dos fins da investigação).
A empresa, passou ultimamente por diversas alterações de designação e estrutura acionista, agora denominada apenas GB Minerals, depois de esta ter adquirido a totalidade da sua anterior homónima (o mesmo nome, mas uma empresa diferente, acabando em AG, de origem suíça), fundindo com uma outra (Plain Creek, que «por acaso» era credora), sendo a última em data, um reforço de capital de três milhões de dólares em oferta privada de ações, datado de Agosto deste ano, adquiridas pela Aterra, sociedade de capitais russos (sedeada nas ilhas Virgens britânicas) por $0,20, claramente acima da cotação, que se vinha mantendo nos $0,10 (chegou a bater nos $0,05 em princípio de Junho).
A questão é: como é possível que um projeto que custou cerca de vinte milhões de euros, com planos detalhados de implementação (já lá vamos) para arranque em inícios de 2014, valha ao todo (como capitalização bolsista), 55 milhões de ações a $0,10 (e estamos a ser simpáticos), ou seja, pouco mais de cinco milhões de dólares (menos de quatro milhões de euros)? Porque será que ninguém (a não ser os russos) dá nada por ele? O preço dos fosfatos baixou drasticamente? Não, mantém-se acima dos valores para o qual o projeto de implementação foi desenhado ($150/ton). Será que estamos uma vez mais a pagar a fatura da instabilidade política?
O plano de implementação apresenta alguns pontos fracos, o principal sendo o de não ter considerado na estrutura de custos fixos a amortizar a construção de um pipeline para um porto (deixando em aberto Bissau ou construção de porto de águas profundas em Cacheu), pois os preços dos fosfatos entendem-se FOB, ou seja, a bordo de um navio. Mas de resto, o plano apresenta detalhadamente os recursos necessários para este tipo de mineração, humanos e de equipamento, bem como os planos para o início de operação, a aquisição e manutenção de maquinaria e mão-de-obra, etc.
Prevê-se a extração do mineral a céu aberto, indo depois avançando para Norte, pela área concessionada, a partir de um local a cerca de 5Km a Oeste de Farim. O acesso ao local de mineração, onde o mineral é extraído em bruto e carregado, pelas escavadoras, em grandes camiões, é feito através de rampas, sendo depois o teor em fosfatos enriquecido por lavagem, triagem por processamento magnético e calibração das partículas mais apropriadas (segundo estudo de densidades). Devido ao facto de a mineração se efetuar a uma quota inferior ao nível do mar, um dos sistemas essenciais é o da bombagem da água para o exterior, sistema que prevê a instalação de uma densa rede de bombas, de forma a manter os locais de extração a seco; o plano prevê ainda pelo menos um mês de inatividade durante a época das chuvas, para atender ao escoamento dessa grande massa de água que se abate sobre a Guiné por essa altura.
Uma notícia recente, do fim do mês de Agosto, reflectindo um comunicado das relações públicas da Aterra, faz a apresentação da empresa, que já possuía cerca de 20% do capital, e que com esta última operação financeira (incluindo o resgate de antigas dívidas da GBMinerals) controla agora quase metade (47%) das acções, dispondo ainda de opções e garantias que lhe podem conferir a maioria accionista (até um máximo de 56%). O objectivo, segundo a empresa, é o de continuar a monitorizar o projecto e as suas perspectivas, «atentos às necessidades de financiamento». Ou seja, os russos «pagam para ver». De certa forma, talvez pensem que conseguem fornecer maquinaria e recursos humanos (engenharia de minas, operadores de máquina, motoristas) mais baratos que aqueles previstos no projecto (por exemplo gestores pagos a mais de 20 000 euros por mês).
A Rússia tem uma fraca produção mundial e uma parte ainda mais pequena nas reservas globais de fosfatos, em relação aos Estados Unidos e China, sobretudo tendo em consideração a sua dimensão (incluindo os países na sua esfera de influência tradicional). Para além disso, devido aos muitos guineenses que dominam o russo, será sempre mais fácil arranjar interlocutores locais, ou até mesmo técnicos. Se os russos investiram a título de capital de risco, decerto que não foi na ignorância dos «riscos políticos» associados. Compraram, por uma «bagatela», um projecto (cheio de «sunk costs») que defraudou os anteriores acionistas, em relação às suas expectativas. Será que mantêm a perspetiva da anterior gestão, para dar início à produção a curto prazo?
Algumas questões mantêm-se no ar: que género de continuidade a Aterra pensa atribuir à GBMinerals? Pensa manter o início da produção para o princípio do próximo ano? Como realizará o escoamento do produto para a costa? Que parte dos recursos humanos a empregar pensa recrutar localmente? Já que o projeto não tem aparentemente contrapartidas para o país, que podem os guineenses esperar ganhar com ele?
Que nível de preocupação ecológica pensam manter, caso avancem? No projeto é referido que não foram considerados os custos de reconstituição paisagística (reenchimento e reflorestação). Mas há também uma grande povoação nas proximidades, Farim, que sofrerá diretamente os efeitos da exploração do minério: sem falar já da questão paisagística e de quantas pessoas serão propriamente desalojadas, preocupa sobretudo a exposição das populações locais às poeiras levantadas pela deslocação dos camiões, o efeito das fossas de retenção de águas na propagação dos mosquitos e disseminação do paludismo, mas também o perigo de catástrofe ambiental, contaminando o rio, em caso de ruptura do sistema de drenagem e escoamento de águas pluviais (dada a proximidade do Cacheu).
Face à importância estratégica dos recursos em causa, julgamos que a melhor defesa de empresas multinacionais, sobretudo atuando ao nível do capital de risco «freelancer» (como parece ser o caso dos fosfatos de Farim), contra os «riscos políticos» que enfrentam não só na Guiné-Bissau, como em África em geral, é a transparência e a responsabilidade social e ambiental, uma aposta séria no Estado de Direito. Modelos de exploração capitalista selvagem são, na nossa opinião, mais vulneráveis às circunstâncias políticas internas, fomentando o abuso desse «preconceito» para a personalização do poder. Para isso é igualmente necessária responsabilidade por parte dos líderes políticos africanos, de uma nova geração, no sentido de garantirem a disponibilidade de quadros adequados a discernir a seriedade e responsabilidade das propostas, aptos a acompanhar (e fiscalizar no terreno) a sua implementação, limando as arestas e servindo de mediadores em relação à sociedade civil e acautelando a racionalidade e sustentabilidade da exploração destes recursos em prol de um verdadeiro Progresso Nacional.
FONTES
http://www.gbminerals.com/
http://www.newswire.ca/en/ story/1217243/aterra- investments-acquires- additional-common-shares-of- gb-minerals-ltd
Sempre na linha da frente da informação, aqui no PN, fazemos pesquisas todos os dias, para manter os guineenses informados sobre tudo o que se passa relativamente à Guiné-Bissau, apresentando depois a informação citando sempre a sua fonte original (basta seguir os links «veja aqui»). Foi assim que descobrimos a GBMinerals, um projeto de mineração de fosfatos na região de Farim, cotado na Bolsa de Valores canadiana, que publicitou, durante o mês de Agosto, uma nova emissão de 15 milhões de ações.
Esta investigação nasceu assim da nossa curiosidade: em termos de recursos minerais, sabíamos que temos a bauxite de Boé (associada ao projeto de um porto de águas profundas para Buba), prospeção petrolífera (também aurífera e diamantífera) em curso, sendo do domínio público a existência de potencial de fosfatos em Farim; no entanto, não tínhamos conhecimento de qualquer projeto em andamento. Daí a nossa surpresa perante o anúncio do início da mineração para princípio de 2014.
Decidimos pois analisar com todo o cuidado a informação proporcionada pela empresa, o sector de atividade e o ramo específico dos fosfatos. Gostaríamos de aprofundar o assunto, mas não temos tempo nem meios para isso, por isso, desde já solicitamos a quem seja mais entendido, tenha mais informações ou repare nalguma imprecisão, que nos comunique por email, que faremos as necessárias retificações.
Escrevemos um email à empresa solicitando alguns complementos de informações, não tendo obtido, até à data, qualquer resposta. Fizemos diligências, junto da respetivo Ministério e Direção Geral da tutela, para tentar confirmar a documentação apresentada pela empresa, igualmente sem sucesso, como adiante descreveremos, de forma mais detalhada.
Antes de dar início à apresentação do trabalho, gostaríamos de frisar que somos favoráveis a todos os projetos sérios de desenvolvimento económico. No entanto, defendemos igualmente a transparência, a informação, a reflexão e a discussão pública das vantagens e desvantagens dos projetos, responsabilizando decisores, contribuindo desse modo para equilibrar a balança de oportunidades e ameaças, acautelando o interesse público no âmbito de um verdadeiro Progresso Nacional que se pretende sustentável.
FOSFATOS DE FARIM
Em 1950, um furo geotécnico de prospeção com fins hidrológicos, assinalou pela primeira vez a existência de fosfatos na zona; quinze anos mais tarde, em 1965, um furo promovido pela ESSO em busca de petróleo, viria a confirmá-lo. Entre 1981 e 1983, os franceses efetuariam um estudo geológico detalhado expressamente vocacionado para os fosfatos, abrindo uma centena de furos e drenando mais de cinco mil metros lineares para amostragem, o que permitiu delinear e quantificar a dimensão do depósito, culminando num primeiro estudo de viabilidade económica, conduzido pela Sofremines em 1986, estudo que se revelou positivo e encorajador. No entanto, as condições do mercado na altura, com a baixa cotação dos fosfatos, associada a considerações de estabilidade política, levaram os franceses a afastarem-se deste projeto.
Em 1997, uma empresa canadiana, a Champion Ressources, adquiriu (não nos foi possível determinar em que condições) a propriedade do depósito de Farim, tendo conduzido, nos dois anos seguintes, trabalhos de prospeção de diamantes, abrindo 34 furos e estudando cerca de 1800 m, com o objetivo principal de recolher amostras para testes de qualidade e de aproveitamento metalúrgico, com resultados uma vez mais bastante encorajadores, quanto ao teor de fostatos (do qual depende essencialmente o seu valor económico). A empresa conduziu igualmente estudos que demonstraram a viabilidade económica da exploração mineira; no entanto, os baixos preços dos fosfatos no mercado e considerações de instabilidade política, voltaram a travar o desenvolvimento do projeto.
Refira-se que os elementos e dados disponíveis sobre o projeto (incluindo todas as amostras das escavações anteriores) na Direção Geral de Geologia e Minas foram destruídos durante um bombardeamento ocorrido nas suas instalações durante a guerra 1998/99, o que impossibilitou o acesso a elementos históricos vitais (corresponderá esta informação à verdade?).
Uns anos mais tarde, em 2004, uma companhia suíça expressamente criada para o desenvolvimento do projecto, a GB Phosphate, adquiriu uma licença de exploração (também nos foi impossível apurar em que condições), abrindo três dezenas de furos e escavando 1500 m, incluindo, pela primeira vez, uma secção de terreno (e não apenas furos), não só confirmando os resultados de estudos anteriores, mas até melhorando o nível das expectativas.
Entretanto, o preço dos fosfatos no mercado mundial, até aí relativamente estável desde há décadas, negociando abaixo dos cinquenta dólares americanos por tonelada, começou a subir. Primeiro lentamente, passando a barreira dos $60 em 2005; chegando quase aos $80 em 2007; para disparar, em 2008, para uns impressionantes $350 por tonelada em 2008, num surto especulativo; o preço dos fosfatos recuperou nos anos seguintes alguma estabilidade e regularidade no abastecimento do mercado, em torno de metade desse valor extremo, $170 a tonelada, ou seja, mais do triplo do valor do mineral ao longo das décadas anteriores.
Em termos da procura global por matérias-primas, é consensual considerar que a emergência da China colocou o mercado sob pressão da procura. Ou seja: a capacidade de oferta está ainda pouco estruturada (nesta área de negócio, as decisões são lentas e morosas, como, aliás, este projeto demonstra à exaustão) e levará bastante tempo a adaptar-se, pelo que é normal supor que o nível de preços se manterá sustentado em níveis relativamente «inflaccionados». A China, se dispõe da maior produção mundial de fosfatos (cerca de 40%), dispõe apenas de uma pequena parte das reservas mundiais conhecidas (5%), pelo que o carácter intensivo da sua exploração (as reservas não durarão mais de cinquenta anos a esse ritmo de extração) induz a necessidade de encontrar alternativas a tempo (medido em décadas).
O mercado de fosfatos tem ainda a particularidade de representar apenas um sexto (30 milhões de toneladas) da produção total a nível global (cerca de 180 milhões), pois a maior parte das multinacionais e empresas do ramo, estão verticalmente integradas, ou seja dispõem já dos seus próprios jazigos e explorações mineiras, gerindo internamente as suas disponibilidades. As utilizações dos fostatos, única fonte mineral significativa de fósforo na natureza, consistem em fertilizantes para a agricultura (pois contêm três nutrientes essenciais para as plantas: nitrogénio, fósforo e potássio), bem como uma pequena parte destinada à indústria química, pois entra na composição de certos detergentes.
O aumento da população mundial (e consequente procura por alimentos), associado à tendência de desertificação de muitas terras aráveis, eleva este mineral à categoria de «estratégico», na atual guerra económica pela sua acessibilidade, em África (neste caso, com 85% da reservas mundiais de fosfatos), entre as grandes potências. A Guiné-Bissau, se o projeto avançar, poderia passar a representar entre 3 a 5% do mercado «livre», diminuindo a dependência em relação a Marrocos, o maior produtor mundial (e detentor das maiores reservas mundiais).
Nestas novas condições de mercado, delineadas a partir de 2005, os suíços, já sob a atual designação de GB Minerals (AG) procederam então a um estudo de impacto ambiental, cujos resultados lhe permitiram assinar um acordo com «o Governo da Guiné-Bissau», em 2009. Acordo esse incluindo uma licença de produção e «numerosos incentivos e concessões», que reportam ter custado cerca de «vinte milhões de euros». Segundo a empresa, o acordo garante-lhe propriedade total e exclusiva do negócio de cerca de 65 milhões de toneladas em reservas, sem qualquer participação do Estado, por períodos de vinte e cinco anos renováveis, sem quaisquer taxas, licenças ou outro género de custos, a isenção total de impostos de rendimento durante dez anos, bem como a possibilidade de construir estradas, pontes e pipelines à sua conveniência e único critério. A empresa, na sua apresentação aos acionistas, afirma ainda esperar recuperar o investimento em dois anos, ao preço atual dos fosfatos.
Ver as duas licenças (estranhamente e ao contrário de anteriores procedimentos, emitidas pelo Ministério da Energia e Recursos Naturais e não pela Direcção Geral de Geologia e Minas) datadas desse ano. Na nossa opinião, julgamos que documentos públicos como estes deveriam estar disponíveis para consulta (bem como caderno de encargos, estudos de impacto ambiental e outros documentos anexos), por isso abordámos, há cerca de duas semanas, tanto esse Ministério como a Direção Geral, mas lamentavelmente, não nos foi possível confirmar sequer a existência desses documentos oficiais, tendo apenas sido confrontados com a estranheza dos funcionários (a que depois se veio juntar a suspeita acerca dos fins da investigação).
A empresa, passou ultimamente por diversas alterações de designação e estrutura acionista, agora denominada apenas GB Minerals, depois de esta ter adquirido a totalidade da sua anterior homónima (o mesmo nome, mas uma empresa diferente, acabando em AG, de origem suíça), fundindo com uma outra (Plain Creek, que «por acaso» era credora), sendo a última em data, um reforço de capital de três milhões de dólares em oferta privada de ações, datado de Agosto deste ano, adquiridas pela Aterra, sociedade de capitais russos (sedeada nas ilhas Virgens britânicas) por $0,20, claramente acima da cotação, que se vinha mantendo nos $0,10 (chegou a bater nos $0,05 em princípio de Junho).
A questão é: como é possível que um projeto que custou cerca de vinte milhões de euros, com planos detalhados de implementação (já lá vamos) para arranque em inícios de 2014, valha ao todo (como capitalização bolsista), 55 milhões de ações a $0,10 (e estamos a ser simpáticos), ou seja, pouco mais de cinco milhões de dólares (menos de quatro milhões de euros)? Porque será que ninguém (a não ser os russos) dá nada por ele? O preço dos fosfatos baixou drasticamente? Não, mantém-se acima dos valores para o qual o projeto de implementação foi desenhado ($150/ton). Será que estamos uma vez mais a pagar a fatura da instabilidade política?
O plano de implementação apresenta alguns pontos fracos, o principal sendo o de não ter considerado na estrutura de custos fixos a amortizar a construção de um pipeline para um porto (deixando em aberto Bissau ou construção de porto de águas profundas em Cacheu), pois os preços dos fosfatos entendem-se FOB, ou seja, a bordo de um navio. Mas de resto, o plano apresenta detalhadamente os recursos necessários para este tipo de mineração, humanos e de equipamento, bem como os planos para o início de operação, a aquisição e manutenção de maquinaria e mão-de-obra, etc.
Prevê-se a extração do mineral a céu aberto, indo depois avançando para Norte, pela área concessionada, a partir de um local a cerca de 5Km a Oeste de Farim. O acesso ao local de mineração, onde o mineral é extraído em bruto e carregado, pelas escavadoras, em grandes camiões, é feito através de rampas, sendo depois o teor em fosfatos enriquecido por lavagem, triagem por processamento magnético e calibração das partículas mais apropriadas (segundo estudo de densidades). Devido ao facto de a mineração se efetuar a uma quota inferior ao nível do mar, um dos sistemas essenciais é o da bombagem da água para o exterior, sistema que prevê a instalação de uma densa rede de bombas, de forma a manter os locais de extração a seco; o plano prevê ainda pelo menos um mês de inatividade durante a época das chuvas, para atender ao escoamento dessa grande massa de água que se abate sobre a Guiné por essa altura.
Uma notícia recente, do fim do mês de Agosto, reflectindo um comunicado das relações públicas da Aterra, faz a apresentação da empresa, que já possuía cerca de 20% do capital, e que com esta última operação financeira (incluindo o resgate de antigas dívidas da GBMinerals) controla agora quase metade (47%) das acções, dispondo ainda de opções e garantias que lhe podem conferir a maioria accionista (até um máximo de 56%). O objectivo, segundo a empresa, é o de continuar a monitorizar o projecto e as suas perspectivas, «atentos às necessidades de financiamento». Ou seja, os russos «pagam para ver». De certa forma, talvez pensem que conseguem fornecer maquinaria e recursos humanos (engenharia de minas, operadores de máquina, motoristas) mais baratos que aqueles previstos no projecto (por exemplo gestores pagos a mais de 20 000 euros por mês).
A Rússia tem uma fraca produção mundial e uma parte ainda mais pequena nas reservas globais de fosfatos, em relação aos Estados Unidos e China, sobretudo tendo em consideração a sua dimensão (incluindo os países na sua esfera de influência tradicional). Para além disso, devido aos muitos guineenses que dominam o russo, será sempre mais fácil arranjar interlocutores locais, ou até mesmo técnicos. Se os russos investiram a título de capital de risco, decerto que não foi na ignorância dos «riscos políticos» associados. Compraram, por uma «bagatela», um projecto (cheio de «sunk costs») que defraudou os anteriores acionistas, em relação às suas expectativas. Será que mantêm a perspetiva da anterior gestão, para dar início à produção a curto prazo?
Algumas questões mantêm-se no ar: que género de continuidade a Aterra pensa atribuir à GBMinerals? Pensa manter o início da produção para o princípio do próximo ano? Como realizará o escoamento do produto para a costa? Que parte dos recursos humanos a empregar pensa recrutar localmente? Já que o projeto não tem aparentemente contrapartidas para o país, que podem os guineenses esperar ganhar com ele?
Que nível de preocupação ecológica pensam manter, caso avancem? No projeto é referido que não foram considerados os custos de reconstituição paisagística (reenchimento e reflorestação). Mas há também uma grande povoação nas proximidades, Farim, que sofrerá diretamente os efeitos da exploração do minério: sem falar já da questão paisagística e de quantas pessoas serão propriamente desalojadas, preocupa sobretudo a exposição das populações locais às poeiras levantadas pela deslocação dos camiões, o efeito das fossas de retenção de águas na propagação dos mosquitos e disseminação do paludismo, mas também o perigo de catástrofe ambiental, contaminando o rio, em caso de ruptura do sistema de drenagem e escoamento de águas pluviais (dada a proximidade do Cacheu).
Face à importância estratégica dos recursos em causa, julgamos que a melhor defesa de empresas multinacionais, sobretudo atuando ao nível do capital de risco «freelancer» (como parece ser o caso dos fosfatos de Farim), contra os «riscos políticos» que enfrentam não só na Guiné-Bissau, como em África em geral, é a transparência e a responsabilidade social e ambiental, uma aposta séria no Estado de Direito. Modelos de exploração capitalista selvagem são, na nossa opinião, mais vulneráveis às circunstâncias políticas internas, fomentando o abuso desse «preconceito» para a personalização do poder. Para isso é igualmente necessária responsabilidade por parte dos líderes políticos africanos, de uma nova geração, no sentido de garantirem a disponibilidade de quadros adequados a discernir a seriedade e responsabilidade das propostas, aptos a acompanhar (e fiscalizar no terreno) a sua implementação, limando as arestas e servindo de mediadores em relação à sociedade civil e acautelando a racionalidade e sustentabilidade da exploração destes recursos em prol de um verdadeiro Progresso Nacional.
FONTES
http://www.gbminerals.com/
http://www.newswire.ca/en/