quinta-feira, 16 de abril de 2015

OPINIÃO: MESA REDONDA: DEPOIS DO SOAR DOS TAMBORES, DAS FESTIVIDADES E CONVIVIOS...´PA MITI MON NA LAMA

Vai fazer um mes que terminou a Mesa Redonda de Bruxelas, um dos mais importantes eventos organizados pelo Estado Guineense nos últimos 20 anos da nossa história económica, que fez suscitar tanta alacridade no país e na comunidade guineense espalhada pelo mundo fora.

Recordo que a Guiné-Bissau no período que sucedeu a guerra civil de 7 de junho de 1998,realizou duas mesas redondas (uma pelo Governo de Unidade Nacional- GUN, liderado por Francisco José Fadul e depois pelo Governo de Aristides Gomes). Ainda, em 2012 esteve em preparação uma terceira mesa redonda que acabou por não se realizar, como consequência do golpe de Estado registado nesse ano.
Importa questionar e reflectir de forma séria e profunda, sobre os reais motivos que leva o nosso país a necessitar recorrentemente desses encontros com a Comunidade Internacional, parceiros e doadores, para pedir apoios financeiros com base em programas de investimento público no Pais.
Julgo que oprincipal motivo dessa nossa quase crónica dependência desses encontros com os nossos parceiros deve-se ao fracasso das várias políticas económicas ensaiadas no país, entre os quais os planos quinquenais (no período antes da liberalização económica), os planos de ajustamento estruturais (pós-liberalização económica/FMI) e os Documentos de Estratégia Nacional para Redução da Pobreza (ainda em vigor).
Os agentes privados nacionais, enquanto principais actores do mercado, falharam, no sentido em que não souberam tirar o devido e oportuno proveito das condições económicas então disponibilizadas, nem tão pouco foram capazes de criar um verdadeiro espírito corporativista, capaz de orientar o fluxo de investimento para favorecer e expandir o sector privado no país.
É evidente que, o sector público, enquanto agente económico de peso, utente e também utilizador dos instrumentos dessas políticas económicas, também falhou.
A Comunidade Financeira Internacional, enquanto agente financiador, com capacidade e dever de monitorização das políticas-financeiras internacionais, teve a sua importante quota parte de responsabilidade nesse fracasso de todo um país, por si só frágil e muito dependente do financiamento externo.
Para não dispersar muito, vou centrar-me no mais importante, que é o nosso fracasso enquanto Estado.
A fundação para a construção de qualquer projeto de desenvolvimento para o país, tem de assentar nalguns requisitos fundamentais, que até são interdependentes entre si, como a paz social, a garantia do respeito das liberdades individuais e colectivas e, ainda, a estabilidade no exercício dos poderes fundamentais do estado, a saber o militar, o executivo e o judicial.
Sem esses requisitos, é utópico pensarmos numa boa governação, pretendendo ter um governo inclusivo, transparente, responsável, respeitador das regras do estado de direito, eficiente e com visão estratégica. E, é minha convicção que foram esses os preceitos que faltaram ao País, nestas quatro décadas da nossa independência. Desperdiçamos recursos e esforços tentando colocar os alicerces para erguer a casa, enquanto descuidávamos a fundação, que nunca foi planeada, nem edificada durante todo esse período.
Na última mesa redonda, foi apresentado um ambicioso projeto para a edificação de uma nova “Casa da Guiné”, orçada em dois mil milhões de dólares, quantia a ser disponibilizada de forma faseada até 2025.
Para concretização dessa gigantesca obra, só a construção da fundação foi orçada em quase 500 mil dólares, a ser executada nos próximos 3 a 5 anos, período de tempo que coincide com o mandato do actual governo. A restante verba será escalonada em projectos e programas para a próxima década.
Devido aos sinais positivos de alguma estabilidade que o país tem transmitido ao mundo, desde as últimas eleições, associado ao extraordinário trabalho técnico e algum lobby político-económico, o documento obteve um acolhimento mais que favorável dos parceiros da Guiné-Bissau, tendo atingido, neste momento, um montante de mais de 1.5 mil milhões de dólares, 3 vezes mais do que esperado e praticamente a cobrir todo o montante previsto pelo Documento de Visão Estratégica do Governo até 2025, sendo que, quase 50% deste montante a fundo perdido ou fundos não reembolsáveis.
É claro que não temos um cheque em branco da Comunidade Internacional e muito menos um cheque de 1.5 milhões de dólares nas mãos do Governo para amanhã começar a implementar os projectos contidos neste programa. Temos sim, um reconhecimento, uma adesão, uma vontade e um engajamento significativo da Comunidade Internacional e parceiros, ao Programa de Visão Estratégica do Governo apresentado na mesa redonda.
A Guiné-Bissau conseguiu sim o seu primeiro e mais importante objetivo, que é a recuperação da confiança da Comunidade Internacional e dos parceiros de desenvolvimento, após uma ruptura de mais de 24 meses, provocado pela alteração da Ordem Constitucional em 2012.
O segundo mais importante, senão vital objectivo, é transformar as promessas/engajamentos em desembolsos reais e efectivos dos montantes prometidos. Para se chegar a esta meta há um árduo e longo caminho a percorrer.
É precisamente nesta fase que quero concentrar o meu enfoque, porque daqui em diante os guineenses têm uma responsabilidade acrescida… O desafio que temos pela frente requer de todos, começando pelos titulares dos Órgãos de Soberania ao cidadão comum, uma entrega total e abnegada e um redobrar de esforços, sem precedentes, para a materialização deste esforço nacional.
Depois do soar dos tambores, das festividades e convívios com aquilo que conseguimos nesta mesa redonda (acreditem-me, justamente) é hora de arregaçar as mangas, para o chamado “miti mon na lama”, ou seja TRABALHAR DE FORMA SÉRIA E ÁRDUA.
A Guiné-Bissau tem manifestado sinais de franca retoma da actividade económica e os indicadores da estatística económica coloca-nos hoje, na posição antes do golpe de estado de 2012, altura em que o País atingiu o seu auge na avaliação do desempenho macroeconómico, realizado pelo FMI. Neste momento regista-se um aumento da receita fiscal em mais de 40% do que previsto pelo FMI e um controle mais eficaz das despesas públicas.
Enquanto se regista, com satisfação, mostras de melhorias não só em termos de gestão das finanças públicas, que está a garantir o funcionamento regular da Administração Pública, mas também noutras áreas, nomeadamente na Educação, Saúde, fornecimento de energia eléctrica, etc, etc., notam-se melhorias significativas no aliviar da tensão social e, consequentemente, o renascer da esperança de dias melhores para o País.
Enquanto isso, a nível político há sinais de inquietações e preocupações, com supostas descoordenações e desentendimentos entre os Órgãos de Soberania Nacional, que chega a ser especulado e intitulado de crise Institucional. A meu ver, ...nada a ver!
No processo da construção de um regime e/ou sistema democrático e, sobretudo, numa conjuntura  pós-eleitoral, em que o partido vencedor advém de fricções intrapartidárias inerentes ao processo democrático de escolha dos seus militantes para os combates eleitorais e posteriormente para o elenco governativo, torna-se natural e perfeitamente compreensível que nesta fase inicial da instalação e organização dos poderes inerentes aos órgãos de soberania, exista esse exercício de ajustes na interpretação e na execução dos deveres e poderes que compete a cada figura institucional (Chefe do Partido vs Chefe do Estado vs Chefe do Governo vs Chfe da ANP).
Portanto, não há percursos fáceis na construção das instituições democráticas, principalmente quando o país e o partido vencedor tiveram a imperiosa necessidade de constituição de um governo inclusivo, abrangendo na governação uma boa fatia das sensibilidades partidárias existentes no país, tendo por sua vez que preterir muitos quadros que, pertencentes ao partido vencedor das eleições, também se esforçaram para que o partido conseguisse essa vitória. Mas, faz parte justamente do processo de amadurecimento democrático, saber colocar interesses nacionais por cima das nossas vontades e sonhos individuais e saber aguardar para a oportunidade nacional e do reconhecimento das nossas capacidades, continuando a trabalhar para os nossos objetivos nacionais, partidários e só depois pessoais. É dessa forma que se faz política de forma conscienciosa e madura.
Porém, identificados que estão os pontos de discórdia, descoordenação ou desajustes no exercício de poderes institucionais, é preciso trabalhar no sentido de corrigi-los e ultrapassá-los, antes que desemboquem num conflito ou crise institucional ou política, fortemente desaconselháveis nesta altura em que o País está perante uma grande oportunidade de reconciliação interna e com a Comunidade Internacional.
Portanto, a todos os guineenses e, em especial, às autoridades nacionais, está lançado o convite, senão exigência, no sentido de garantir consensos e entendimentos, capazes de promover a estabilidade do País, como condição sine-qua-non, para construir aquela nossa tão desejada e sonhada “Casa da Guiné-Bissau”.
Bem Haja a todos
Walter Tavares
MA in Economics
Boston/EUA