segunda-feira, 21 de março de 2016

“250 FCFA PODERÁ SER O PREÇO MÍNIMO POR QUILOGRAMA DE CASTANHA DE CAJU”


O presidente da Agência Nacional da Castanha do Cajú (ANCA), Henrique Mendes, defendeu numa entrevista exclusiva ao semanário “O Democrata” que 250 francos CFA poderá ser o preço mínimo por quilograma de castanha de cajú para o presente ano, mostrando-se contudo esperançado que apesar das dificuldades é possível o país exportar na presente campanha 200 mil toneladas.

“É preciso investir muito no Instituto Nacional da Pesquisa Agrária (INPA) do ministério de Agricultura. Um país que depende muito de um único produto de exportação que é o cajú, precisa de investir neste produto e ao mesmo tempo desenvolver outras culturas de exportação e de renda. Uma economia não pode depender de uma monocultura virada para um único mercado que é a Índia. Perdemos muito com o cajú. O cajú dá-nos, em termos das receitas fiscais, o máximo de 25 milhões de dólares, que é nada”, disse.

Durante a entrevista Henrique Mandes anunciou a realização da conferência mundial de cajú no mês de Setembro do ano em curso em Bissau, que segundo ele, será uma ocasião que vai permitir aos participantes apresentar propostas de soluções muito concretas daquilo que a Guiné-Bissau precisa de fazer na área de produção para inverter o atual quadro. Acrescentou, no entanto, que é preciso uma intervenção de fundo a nível de produção para melhorar os indicadores de produção de 350 a 450 quilos da castanha por hectare.

Jornal O DEMOCRATA (OD): A Agência Nacional de Cajú (ANCA) é uma estrutura de consulta direta do chefe do governo em matéria de cajú. Como é que a ANCA está organizada para dar resposta às exigências da definição da política do governo neste setor economicamente importante para o país?

HENRIQUE MENDES (HM): Agência Nacional do Cajú é uma entidade de regulação criada pelo governo há três anos, que tem como mandato conceber toda a política de produção, comercialização, exportação e transformação da castanha de cajú. Portanto, agência tem um mandato não só na concepção, mas também de regular a política de produção e exportação. É uma estrutura nova que está sob a dependência direta do Gabinete do Primeiro-ministro.

Esta estrutura, em termos da sua realização naquilo que tem a ver com toda a cadeia produtiva do cajú, ao longo dos três anos de existência participou em conjunto com a Secretaria de Estado do Plano, ministério da Agricultura e outros departamentos do Estado num trabalho denominado de estudo de reestruturação de toda a fileira do cajú. Também trabalhamos em parceria com Associação Nacional de Agricultores da Guiné (ANAG), que é uma estrutura do setor privado que congrega todos os agricultores e produtores.

Acompanhamos a situação ao nível da produção, a fim de saber dos principais estrangulamentos que caracterizam o setor de produção e a sua evolução. Identificamos os verdadeiros problemas que caracterizam o setor da produção, e posso enumerá-los rapidamente: a necessidade de a Guiné-Bissau ter de reestruturar a fileira de produção, uma vez que tem baixa produtividade por hectare, o que significa que há uma necessidade de reorganizar a componente – produção, também foram identificados alguns problemas existentes em termos de doenças e pragas.

Realizamos missões ao Brasil, onde rubricamos programas de cooperação técnica com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). No programa estão consagrados as principais ações a desenvolver em conjunto, aproveitando a grande experiência da EMBRAPA, que é uma das maiores instituições agropecuárias.

Conscientes de que o cajúeiro, a partir dos vinte e cinco anos de idade, começa a declinar o seu ciclo de produção enquanto ativo biológico, por isso, entendemos que há uma necessidade de fazermos o georreferenciamento dos pomares do país.

OD: A crise política domina atualidade do país e faz com que ninguém fale da campanha de cajú. Quer explica-nos de uma forma sintética, como está a ser preparada a campanha deste ano?

HM: Iniciamos os trabalhos de preparação da presente campanha há mais de três meses, reunimo-nos regularmente com os técnicos com vista a preparação da presente campanha. Reunimos na sala de reuniões do Gabinete de Primeiro-ministro, na sede da GETA e uma vez reunimos no centro multifuncional “Pirâmide de Safim”.

O grupo está focado numa discussão técnica e congrega os técnicos da ANCA, ANAG, do Ministério da Economia e Finanças, Ministério do Comércio e representantes do setor privado, nomeadamente as duas Câmaras do Comércio e Associação dos Intermediários.

O grupo de trabalho já terminou as suas reuniões com a produção de diplomas relativos às regras de comercialização interna e externa. Também definiu as regras sobre quem pode ou deve exportar; quais os requisitos que essas pessoas devem reunir para poderem operar como homens de negócios no setor de cajú.

Isso é extremamente indispensável para que tenhamos um ambiente de negócios que permita às instituições financeiras e os empresários terem visibilidade sobre o mercado de comercialização e exportação, porque precisam de ter a noção das regras do jogo. Permite os operadores realizarem os seus negócios sem atropelos e sem batotas.

OD: Neste caso, quem deve comercializar a castanha de cajú?

HM: Está na lei e é extenso, mas posso dar exemplo, há um conjunto de documentos exigidos pelo ministério do Comércio. Dentro da lei geral do comércio, existe a lei de cajú. Em relação à castanha de cajú, além das leis específicas e há outros diplomas que tem a ver com as condições que um operador deve reunir, de acordo com as exigências da ANCA e dos departamentos do governo ligados a comercialização interna e exportação da castanha. Mas em tempo útil, os exportadores terão conhecimento e acesso aos referidos diplomas e informações.

Por exemplo, este ano preconizamos que a castanha para a ser exportada terá de ser avaliada a percentagem de humidade antes de serem armazenadas.

OD: Qual será o método de avaliação de humidade das castanhas de cajú?

HM: Temos um equipamento chamado de hidrômetro. Se a castanha for avaliada e o nível de humidade ultrapassar os dez por cento, o exportador deverá obrigatoriamente secar a castanha para que a humidade atinja os 10 por cento antes de ser embarcada. Chamamos a tudo isso de boas práticas agrícolas. Também não vamos permitir que os exportadores utilizem sacos de “nylon”, mas sim sacos de juntas. E estes sacos serão depositados sobre paletes/estratos de madeira ou kiritim. O kirintim (esteiras feitas de cana bambu) será permitido apenas este ano. E partir de 2017 obrigatoriamente, os exportadores têm que utilizar os estrados de madeira.

OD: Já estamos no mês de Março, obviamente o mês em que se inicia a campanha. Para quando a divulgação dos preços, normas e regulamentos da campanha?

HM: Acredito que esta semana as pessoas terão oportunidade de conhecer essas regras, porque o grupo da castanha vai concluir os trabalhos, os diplomas serão assinados pelo Primeiro-ministro e ou pelos ministros das Finanças e do Comércio, posteriormente serão tornados públicos.

OD: Há muita procura da castanha de cajú no mercado internacional e a razão pela qual, a Costa do Marfim, que é um dos maiores produtores da castanha indicou o valor de 350 Francos CFA, como preço base este ano. Qual é o preço base que a Guiné-Bissau pretende indicar, como o quarto maior produtor do nosso continente?

HM: Nós por regra, anunciamos o preço de referência, no dia da abertura oficial da campanha de comercialização da castanha de cajú. Nessa altura as pessoas interessadas neste negócio terão oportunidade de os conhecer. Já temos ideia clara de qual será o preço de referência ao produtor.

Diferenciamos da Costa do Marfim em algumas questões, relativamente à campanha de castanha do cajú, por exemplo, eles anunciam o preço de referência e depois autorizam o início das compras e escoamento. Enquanto nós na Guiné-Bissau, normalmente anunciamos na mesma data de abertura e o início da compra e do escoamento.

Já discutimos isso numa reunião do Conselho Geral, uma estrutura que está dentro da ANCA, onde participam instituições públicas e privadas. No referido espaço discutimos o preço de referência ao produtor, mas antes da discussão do preço base, a ANCA, através do Departamento de Estatística e do Observatório do Mercado de Produtos Agrícolas, fizemos um trabalho de acompanhamento e avaliação do mercado internacional, relativamente à produção de todos os países produtores, desde o Brasil, a Índia, Vietnam, Costa do Marfim entre outros.

Depois avaliamos também o consumo da “amêndoa” e produtos similares, por exemplo, no conjunto temos amêndoa de cajú da Califórnia, a mediterrânica. São elementos que são tidos em conta para termos a ideia do nível do consumo de amêndoa e que influenciam a procura da castanha, também analisamos as taxas de câmbio e a situação do ambiente interno, porque havendo perturbação e instabilidade, isso não abona para que as instituições financeiras libertem os créditos, porque situações de incerteza tem sempre a tendência de agravar as condições de concessões de créditos.

OD: A crise política pode afetar a campanha de cajú até ao ponto de impedir o investimento dos empresários estrangeiros?

HM: Por experiência própria, por exemplo, o caso de 12 de Abril teve repercussões, Os bancos deram muitos créditos. Foi um exemplo típico, as pessoas compraram castanha de cajú e convencidos que iam vendê-las a bom preço. A procura era muita. Mas o preço não foi muito favorável. E muitos não conseguiram vender a preços que pretendiam. Portanto, perderam muito dinheiro e os bancos tiveram muitas dificuldades na recuperação dos créditos.

Fazer campanha num clima de incerteza e de instabilidade política cria desconfiança no mercado e retração por parte das instituições financeiras. Isto é prejudicial para os operadores nacionais, porque os operadores estrangeiros, normalmente têm mais capitais e estão em melhores condições de vir ao nosso mercado comprar e exportar. Os operadores nacionais têm dificuldades de conseguir crédito junto aos bancos, porque, os bancos, segundo uma entrevista do Diretor Nacional da BECEAO, João Aladje Fadia, no ano passado tinham crédito mal-parados num valor de trinta bilhões de francos CFA. É muito dinheiro e acredito que os bancos ainda continuam a tentar recuperar esse dinheiro.

OD: Então, para quando a abertura oficial da presente campanha?

HM: A abertura está prevista para a segunda semana do mês de Abril, embora já tenhamos, de forma isolada, cajú em algumas regiões, como por exemplo, a região de Bolama/Bijagós e também aqui nos arredores. Mas isso é insignificante. É aconselhável realizarmos as atividades quando os pomares que temos distribuído por todo o país tiverem uma cobertura na ordem de, pelo menos, 60 por cento. A partir daí é aconselhável utilizar o início da atividade.



OD: No ano passado a campanha foi boa, este ano há perspectivas de a mesma ser adquerida no mínimo de 250 francos CFA?

HM: Acho que sim, porque a previsão que temos em relação aos mercados futuros é devida a alta procura. Por exemplo, a Tanzânia teve uma quebra na ordem dos sete por cento, o de Brasil 40 por cento. Essa previsão já tinha sido feita desde 2015. Em 2015, as unidades de processamento aqui na África Ocidental tiveram problemas em conseguir castanha no mercado, devido ao elevado nível do processamento na Índia. Tendo em conta que o mercado doméstico indiano está a consumir muita amêndoa, isto é o grande fenômeno.

A Índia, que até há dois anos consumia 42 por cento da produção da sua amêndoa, neste momento está a consumir 70 por cento da amêndoa produzida, portanto, está com um mercado doméstico muito forte em termos de procura.

A Índia tem a capacidade de produção de 700 mil toneladas, mas importa quase dobro para atender a necessidade da sua capacidade industrial instalada. Vietnam também importa grande quantidade, portanto, a previsão para 2016 é que a procura vai continuar muito alta.

Isto pode ajudar muito no caso do nosso país. Prevemos uma boa produção, tendo em conta que no ano passado choveu até ao mês de Novembro. Tivemos água razoável, choveu melhor que os anos transactos. Prevemos exportar no mínimo 200 mil toneladas este ano.

OD: Há expectativa de a castanha de cajú ser comercializada num preço base de 250 francos CFA?

HM: Acredito que sim e não tenho dúvidas. Tenho a certeza absoluta que 250 Francos CFA será o preço base no mínimo. E em relação a este aspecto, para tranquilizar os agricultores, se a tendência se mantiver conforme aconteceu no ano passado, a campanha poderá começar com um preço de 300 francos CFA, essa é a minha previsão, não é nada oficial ainda.

Tudo isso de fato, pode evoluir depois rapidamente. Em 2015 abrimos com 300 francos CFA por quilo e depois de uma semana subiu para 400 francos, isto é o comportamento normal do mercado.

Por isso, é que eu digo que, quando definimos regras claras e as pessoas conhecerem o mercado, depois é deixarmos o mercado fazer o seu trabalho, porque costumo dizer que o mercado tem uma mão invisível que regula o seu próprio funcionamento. As intervenções desregulam o mercado e complicam.

OD: A campanha de cajú do ano passado foi boa para os camponeses e até os empresários partilharam a mesma ideia. Mas ainda os empresários lamentam a burocracia registada em termos de concessão de documentos ou alvarás, bem como a intervenção de várias instituições na fiscalização e controle, por isso defendem a criação do “Guiché Único”, onde se pode pagar toda a papelada de uma só vez. Concorda com a ideia?

HM: Sem dúvidas! Foi uma inovação. Nós é que tivemos essa ideia. Fizemos uma visita um ano antes, à Abidjan na Costa do Marfim, em 2014, porque é bom aprendermos sempre uns com os outros. O nosso Guiché funcionou desde o ano passado com algumas imperfeições, mas correu bem. E tenho a certeza que este ano vamos melhorar o seu funcionamento, porque isso vai agilizar todo o processo em termos de documentação.

OD: Uma das lamentações dos operadores tem a ver com as intervenções das Alfândegas no terreno, Contribuição e Impostos e Comércio, fato que consideram penalizador. Quer fazer algum comentário?

HM: Os trabalhos que estamos a fazer no concernente à preparação da campanha consistem na identificação de todas essas situações, assim como as paragens dos camiões pelos serviços da Polícia Trânsito. Entendemos que, quando um operador cumpre com suas obrigações, possuindo todos os documentos exigidos pelos serviços ligados a campanha de cajú, deve poder exercer a sua atividade.

A partir do local, onde um operador carrega não deve ser interrompido seu percurso até chegar Bissau, porque é uma situação desagradável e que cria transtornos.

OD: Será que o trabalho que está a realizar no grupo visa melhorar os diferentes serviços que intervêm no setor de cajú?

HM: Sem dúvidas, por isso, digo que todos os departamentos governamentais que intervêm no setor têm tomado parte nessas reuniões. Discutimos diplomas que estão ligados à comercialização interna e exportação. Todas essas questões foram levantadas e debatidas detalhadamente. Acredito que teremos condições de melhorar essa situação de forma a normalizar a operação de cajú. A semelhança daquilo que acontece com os outros países.

Por exemplo, por que é que muitas vezes as nossas exportações levam muito tempo? Porque temos toda essa complicação, estrangulamentos que são criados, entre outros. Recentemente ouvi na rádio que o porto de Bissau foi pavimentado e que foram introduzidos novos equipamentos, que foi aumentada a capacidade de armazenamento dos contentores. Isso de fato, é um trabalho extraordinário do qual vamos beneficiar, reduzindo assim o tempo de paragem dos navios no nosso porto.

OD: Os camponeses lutam contra as pragas que invadem as plantações de cajú em algumas zonas do país. O que é que agência está a fazer neste momento para pôr cobro à situação, como entidade responsável pela fileira de cajú?



HM: O problema das pragas são complicadas… lembro-me que em 2007, quando eu estava a presidir a então Comissão Nacional de Cajú, solicitamos a um projeto do Banco Mundial que nos financiasse a vinda de um técnico brasileiro especialista nesta matéria. Este técnico fez um trabalho de pesquisa durante 45 dias e no fim produziu um relatório, onde são mencionadas a existência de algumas doenças e pragas.

Já passaram nove anos desde a produção daquele relatório, mas infelizmente até agora nada foi feito em termos de implementação das recomendações deixadas. Hoje não sei dizer em termos das pragas, qual a real situação.

Em Janeiro deste ano, estive numa missão e acompanhei, através da televisão, que houve casos novos nas zonas do sector de Prábis (Região de Biombo) de algumas pragas que chamamos de “Boca de Cauli”. É uma situação que requer um cuidado, porque as pragas ou doenças, se não forem respondidas com boas medidas e precauções, acabam por tornar-se num problema muito sério e difícil de controlar.

Para já, é mais barato prevenir as pragas ou doenças do que quando instalarem-se. Se essa praga dizimar uma quantidade significativas de pomares e as consequências serão graves. Por exemplo, nas zonas de Prábis há populações que vivem apenas do cajú.

OD: O que é que a agência fez de concreto como uma das medidas de precaução para evitar as pragas ou doenças?

HM: Nada está ser feito até agora. Apenas constatações. Eu costumo dar exemplo de Moçambique que, nos finais do ano 1970, atingiu a sua maior produção de sempre que foi de 216 mil toneladas e enfrentou problemas de “Oídio” e que ainda estão a combater. Essa situação afetou muito o cajú moçambicano e houve uma descida da produção de 216 mil toneladas para 153 mil, depois saiu mais de 153 mil para 70 mil toneladas produzidas anualmente.

Imaginem se isso acontecer na Guiné-Bissau, não será a desgraça para o povo? Nós temos estado a agir em certas situações, no sector agrícola, acreditando no fator sorte.



OD: Agência já identificou algumas zonas afectadas pelas pragas?

HM: Temos alguma situação em Prábis e Quinhamel, região de Biombo, mas estou a referir-me à situação da praga de 2007. A verdade é que neste momento não sabemos de facto se o problema evoluiu ou se se multiplicou.

OD: Ainda sobre doenças e pragas. Já foram identificadas as pragas e doenças que existem no país e que podem constituir um perigo eminente para o cajú?

HM: Para além da praga broca de caule que já foi descoberta no país, também identificamos as possíveis pragas que podem atacar o cajú, que são: Brocas das Pontas, Traça da Castanha e Pulgão da Inflorescência. Em relação às doenças é bom dizer que as possíveis doenças que podem atacar o nosso cajú, são: antracnose, resinose e oídio.

É urgente fazer um levantamento para saber o nível de evolução das pragas, bem como saber se existem doenças ou apenas ameaças e as medidas de precaução que podem ser adopatadas.

OD: Citou aqui a situação de Moçambique como o exemplo sobre os danos causados pelas pragas. Não teme que a mesma situação venha a ser registada na Guiné-Bissau?

HM: Até agora ninguém pode confirmar a que nível está o problema. Através dos estudos feitos pelo especialista brasileiro, foi confirmada a existência de doenças e de pragas bem como a situação da praga registada em 2007 nas zonas de Prábis e de Quinhamel.

Até ao momento nada foi feito em termos de estudos sobre o problema detetado e isto tem as suas consequências. É preciso ir ao fundo desta questão e não só identificá-lo ou caracterizá-lo, mas também é preciso propor medidas de fundo. Isso tem que ser feito.

OD: Agência já submeteu algumas medidas ao Governo, sobre a situação das pragas e doenças?

HM: Não conseguimos submeter nenhumas medidas ao executivo, porque como se sabe, também funcionamos com muitas dificuldades em termos do orçamento. Este é um trabalho que devemos fazer com técnicos do ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural, através do seu departamento de protecção vegetal.

Acredito que dentro de dois meses o mais tardar, iremos realizar um trabalho conjunto. E tudo o que for identificado a partir deste trabalho, vamos propor uma intervenção de fundo para pôr cobro a situação. Há igualmente um estudo diagnóstico que deve ser financiado pelo Banco Oeste Áfricano de Desenvolvimento (BOAD).

Estudo é chamado de “Estudo de Diagnóstico de Reflexão da Fileira de Cajú”, contempla os problemas a nível da produção que também incorpora a comercialização e o processamento mas também as doenças e as, pragas.

OD: Este ano os empresários estrangeiros irão directamente no terreno ou trabalharão com os intermediários?

HM: Os empresários estrangeiros que têm o investimento na Guiné-Bissau e que respeitam a lei do país e dependendo da sua antiguidade no país, podem operar perfeitamente e sem nenhum problema.

Temos exemplos de muitos empresários estrangeiros que estão aqui. Cada um tem o seu espaço a medida da sua categoria. Os intermediários são de uma outra categoria, embora tenhamos igualmente intermediários estrangeiros, grande número deles são mauritânianos e que estão a operar muito nesta categoria.

OD: Há informação que indicam que nenhum franco do Fundo Nacional de Promoção da Indústria (FUNPI), criado pelas autoridades e sector privado nacional, foi concedido aos agricultores através da “ANAG” para desenvolverem as suas atividades de pesquisa da fileira de cajú, como inicialmente previsto. O que é que agência está a fazer para afectar os camponeses com este fundo?

HM: O fundo do FUNPI já não existe…FUNPI é uma matéria muito incandescente que neste momento está a ser alvo de auditoria sobre a forma como foi gerido. A meu ver, os fundos desta natureza ou que podem ser chamados por outro nome, são extremamente indispensáveis para o desenvolvimento da fileira do cajú. Não podemos contar apenas com a ajuda internacional para desenvolvermo-nos. Isso é pura ilusão

Os recursos dos nossos parceiros internacionais dão-nos alguns reforços, mas temos que tentar com as iniciativas próprias para financiar algumas acções. Quando começamos o FUNPI, era essa a ideia. Doravante temos que ser capazes de criar um outro fundo para financiar o sector.

Vamos admitir que se de repente tivermos o problema de alguma praga numa determinada zona. Vamos ficar a espera do apoio do Banco Mundial, da União Europeia e outros parceiros para combater a praga?

OD: Defende a criação ou não de um outro fundo nos moldes diferentes do FUNPI?

HM: Sem dúvida é urgente a criação de um outro fundo. Temos que ter uma visão de desenvolvimento de curto, médio e longo prazo. Costa de Marfim e Moçambique têm fundos tipos FUNPI. Estes países tiveram problemas com a gestão do fundo no início, mas conseguiram ultrapassá-los e estão a geri-los até agora.

Temos que ter a coragem de restruturar a forma de funcionamento do fundo e chamá-lo agora de outro nome, porque é muito importante a sua existência.

Não podemos acabar com o FUNPI sem termos a capacidade de criar outro fundo para financiar aquilo que é o mínimo da nossa atividade internamente.

OD: Em que posição está a Guiné-Bissau no mundo, quantitativa e qualitativamente, em termos da produção da castanha de cajú e qual é a perspectiva?

HM: A Guiné-Bissau é o segundo maior produtor de África, depois da Costa de Marfim e quarto produtor mundial. Depois da Índia, Costa de Marfim, Vietname. A seguir a Guiné-Bissau vem o Brasil, a Tanzânia, o Moçambique, etc…

Em termos da qualidade, estou em condições de dizer que somos o primeiro a nível mundial, por isso é que temos que trabalhar para inverter esse quadro que nós temos. Porque é tremendamente ridículo ter a castanha de melhor qualidade a nível do mundo e continuarmos com o problema que temos no sector.

A Costa de Marfim é uma referência mundial e continua a trabalhar para ser o número um no mundo. Este país da África Ocidental vai inaugurar este ano uma fábrica / escola de cajú e com o intuito de formar e capacitar os empresários no sector de cajú. Agora de dois em dois anos, eles organizam um salão chamado de “SIETA”, ou seja, Salão Internacional de Equipamento, Tecnologia e Transformação.

Estivemos no ano passado em Moçambique, na Conferência Mundial de Cajú. Este ano será realizada na Guiné-Bissau. Durante a conferência foi recomendada aos países produtores para seguirem os exemplos de Costa de Marfim e do Vietnam.

A Costa de Marfim evoluiu muito em termos de organização e crescimento, do ponto de vista de produção. A meta de Costa de Marfim é ser o maior produtor mundial da castanha até 2020, mas muito antes disso atingirão essa meta.

A fábrica do processamento da castanha de Bolama que vai ser inaugurada agora no próximo mês de Abril, tem a tecnologia do Vietnam.

OD: Falou da definição de uma política séria para o sector de cajú pelas autoridades. Na sua opinião, como é que isso pode ser feito?

HM: Primeiro é preciso uma vontade política e ter projectos concretos para o desenvolvimento do sector. Devemos sair da teoria ou de discursos políticos para a prática, através da implementação das ideias e projetos concretos para desenvolver o sector que consideramos da maior fonte de produção da economia do país.

Estou no cajú desde 2001. Trabalhei numa fábrica que processava 600 toneladas de castanha de cajú por ano. Exportávamos um contentor de amêndoa de cajú em cada 30 a 40 dias para a Europa, depois Estados Unidos de América. Entre os meus compatriotas, sou o único que está há mais tempo na indústria de transformação. Esta experiência permite-me ter uma ideia clara sobre o que é necessário fazer em termos da transformação.

A Guiné-Bissau precisa de trabalhar seriamente neste processo, a passos lentos, mas seguros. O que conta em termos de governação é o resultado deixado e não a conversa. Quando estive a escrever a minha tese do mestrado “Segurança Alimentar e a Produção de Cajú”, vi todo um trabalho do passado.

Existe um trabalho feito sobre o cajú, escrito pelo professor José Mendes Fernandes, que é colega de Amílcar Cabral. O segundo trabalho é a minha tese do mestrado, mas isso não chega é preciso pesquisar mais. Desde 1976 que a Guiné-Bissau fez a sua primeira exportação e até esta parte, o Estado investiu muito pouco no sector de cajú.

A Guiné é o país no mundo que tem a maior superfície coberta que varia entre 6.7 a 6.8 hectares de área arável. Nenhum outro país no mundo tem tamanha superfície coberta por cajúeiros, como a Guiné-Bissau. Temos plantações muito desorganizadas, por isso disse que estamos a crescer em superfície em termos de plantações mas infelizmente não estamos a crescer em produtividade por hectare.

O país tem estado a crescer em tamanho e quantidade, mas em qualidade, em termos da produção estamos a perder muito. Produzimos 350 a 450 quilos por hectare. Enquanto a Costa de Marfim está nos 750 a 850 quilos por hectare.

OD: O que é que se deve fazer para melhorar a produção a fim de igualar a Costa de Marfim?

HM: É preciso investir muito no Instituto Nacional da Pesquisa Agrária (INPA) do ministério de Agricultura. Um país que depende muito de um único produto de exportação tem de investir neste produto e ao mesmo tempo desenvolver outras culturas de exportação e de renda para não depender só disto.

Uma economia não pode depender de uma monocultura virada para um único mercado que é a Índia. Perdemos muito com o cajú. O que é que o cajú nos dá em termos de receitas fiscais, são 25 milhões de dólares, o que é pouco.

Se tivermos uma política forte neste sector e muito bem organizada, então ganharemos muito mais. As pessoas gabam-se da exportação feita e das receitas recolhidas, mas não podemos contentarmo-nos com isso. Podíamos ganhar muito mais se nos organizarmos bem.

OD: Nos últimos anos têm surgido críticas de estudiosos sobre a política económica da Guiné-Bissau em matéria de comercialização baseada essencialmente na exportação bruta deste produto. A sua instituição tem uma estratégia para inverter esta lógica, promovendo a transformação local e produzir mais-valia para o país?

HM: O processamento da castanha de cajú foi o tema dominante na conferência de Maputo. A conferência da Aliança Africana de Cajú (AACA) produziu um documento que foi chamado de “Manifesto de AACA”. Esse manifesto enumera os principais estrangulamentos no sector e propostas de soluções que poderão ajudar no encurtamento da distância que separa a África dos países asiáticos, em termos de processamento.

A Ásia está a processar muito e vê no cajú um produto que está a resolver o problema da pobreza. Veja a visão do desenvolvimento que as pessoas têm e nós pensamos apenas na exportação em bruto.

Os governantes asiáticos decidiram investir no sector do processamento da castanha de cajú para ajudar os empresários. Essa é a decisão política que saiu da teoria de discurso para a prática. O nível de faturamento, de acordo com os dados de 2014 que tenho, o Vietnam conseguiu arrecadar só na venda de amêndoa de cajú 2.2 bilhões de dólares norte-americanos.

Enquanto a Índia conseguiu arrecadar com a venda de amêndoa de cajú 1.8 bilhões de dólares norte-americanos, portanto isso demostra que o Vietnam está a processar mais do que a Índia. As fábricas de processamento de cajú empregam grande quantidade de trabalhadores, por isso é que eles não brincam com o cajú.

O problema do processamento em África é um problema do financiamento. Porque as instituições financeiras têm preferido financiar a campanha de comercialização, porque entende que há menores riscos e também tem o tempo de atividade muito mais curto. Enquanto a atividade industrial precisa de mais tempo.

OD: O que é que a ANCA tem em mãos para mudar a situação, ou seja, conquistar a confiança das instituições financeiras?

HM: Temos um documento produzido num ateliê realizado no passado. As recomendações demostram a forma como o governo, através do ministério da Indústria, deve financiar o sector. Fizemos o levantamento sobre unidades industriais que estão fechadas, e tentamos saber há quanto tempo essas unidades estão fechadas e a razão do encerramento e a propusemos soluções para o seu relançamento e criação de outras unidades.

Felizmente o ministro das finanças fez uma promessa e acredito que vai cumpri-la, mas eu acho que ele tem que andar um bocadinho mais rápido. Ele esteve depois em Washington (Estados Unidos de América), onde assinou um acordo com o Banco Mundial, através de IFC daquela instituição, que tem a vocação de financiar este tipo de atividades por meio do sistema leasing.

Essa é a única saída, porque os créditos são muito caros. Devido à fragilidade da nossa economia, é preciso arranjar uma forma de financiar essa atividade. Lembro que os representantes daquela organização do Banco Mundial (IFC) estiveram cá recentemente.

O ministério da Indústria, através da direcção-geral da Indústria, tem estado a realizar também um bom trabalho de levantamento e propostas de atividades que devem ser desenvolvidas, como por exemplo, a criação de incubadora industrial bem como a definição de uma nova zona industrial. E como se sabe, a atual zona industrial já não serve como a zona industrial, porque hoje está cheia de habitações.



OD: Quantas unidades de transformação da castanha de cajú estão a funcionar atualmente?



HM: Apenas uma e encontra-se no sector de Bula, concretamente na estrada que liga Bula e São Vicente. Tem uma capacidade instalada para processar 3000t/ano e emprega 120 pessoas. É propriedade de um cidadão guineense, mas que a arrendou, no ano passado, a um cidadão espanhol que vive no Brasil. Ele processou castanha de Julho a Dezembro do ano passado, e conseguiu produzir 12 contentores de amêndoa e cada contentor tinha a capacidade de 16 toneladas.

Este senhor fez um investimento de três milhões de dólares norte-americanos na fábrica. Substituiu todos os equipamentos e trouxe outros novos do Brasil. Ele disse-me que de Julho a Dezembro do ano passado depois de todas as despesas incluindo os salários e os custos de exportação, conseguiu um lucro de 54 mil dólares.

Quer dizer que faturou 648mil dólares norte-americanos (seiscentos e quarenta e oito mil). Veja o ganho que é possível obter na venda da amêndoa de cajú! Por isso defendemos a aposta na transformação no país. Este senhor pretende fazer uma unidade sua, de raíz, na Guiné-Bissau.

Ainda estamos a contar com a fábrica de Bolama que pertence à empresa “Gomes e Gomes”. A fábrica de Bolama deverá iniciar a sua atividade laboral no mês de Abril do ano em curso e tem uma capacidade de transformação de 2.900t/ano (dois mil e nove centos por ano) e empregará 108 pessoas.

OD: Relativamente à conferência mundial sobre cajú que será realizado este no país, O que é que se pode esperar dela?

HM: Esperamos seja capaz de produzir propostas de soluções muito concretas do que a Guiné-Bissau precisa fazer na área de produção para inverter o atual quadro. Uma intervenção do fundo ao nível de produção para melhorar os indicadores de 350 a 450 quilos por hectare.

Fazer um recenseamento de raiz para termos uma ideia sobre qual é a superfície total coberta por pomares, como também a sua idade por região e caracterizar tipos de castanha promovida por região, porque como se sabe as castanhas são caracterizadas do ponto de vista industrial pelo tamanho (tamanhos: T- 1, T-2, T-3, T-4). Temos que ter a informação sobre isso e a partir dali atualizá-la de seis em seis meses.

Ao nível de comercialização é necessário um trabalho sério para melhorar a nossa legislação em termos de comercialização e exportação. Fazer aquilo que a Costa de Marfim fez, porque eles não têm a bagunça que nós temos aqui neste aspecto.

OD: Presidente, é possível a conferência mundial de cajú determinar essa linha orientadora toda?

HM: Claro. Mas gostaríamos que a conferência produzisse documentos exequíveis.

OD: Quem são os participantes da conferência mundial de Cajú?

HM: Virão 230 a 250 participantes do exterior, ou seja, participarão todos os países produtores e consumidores do produto final da castanha.

Para terminar a entrevista, queria deixar uma mensagem.

Vamos rezar nós todos para que a crise política conheça um desfecho que não nos perturbe mais, embora isso não dependa de nós… Infelizmente.


 Por: Assana Sambú/Sene Camará