O presidente
da Agência Nacional da Castanha do Cajú (ANCA), Henrique Mendes, defendeu numa
entrevista exclusiva ao semanário “O Democrata” que 250 francos CFA poderá ser
o preço mínimo por quilograma de castanha de cajú para o presente ano,
mostrando-se contudo esperançado que apesar das dificuldades é possível o país
exportar na presente campanha 200 mil toneladas.
“É preciso
investir muito no Instituto Nacional da Pesquisa Agrária (INPA) do ministério
de Agricultura. Um país que depende muito de um único produto de exportação que
é o cajú, precisa de investir neste produto e ao mesmo tempo desenvolver outras
culturas de exportação e de renda. Uma economia não pode depender de uma
monocultura virada para um único mercado que é a Índia. Perdemos muito com o
cajú. O cajú dá-nos, em termos das receitas fiscais, o máximo de 25 milhões de
dólares, que é nada”, disse.
Durante a
entrevista Henrique Mandes anunciou a realização da conferência mundial de cajú
no mês de Setembro do ano em curso em Bissau, que segundo ele, será uma ocasião
que vai permitir aos participantes apresentar propostas de soluções muito
concretas daquilo que a Guiné-Bissau precisa de fazer na área de produção para
inverter o atual quadro. Acrescentou, no entanto, que é preciso uma intervenção
de fundo a nível de produção para melhorar os indicadores de produção de 350 a
450 quilos da castanha por hectare.
Jornal O
DEMOCRATA (OD): A Agência Nacional de Cajú (ANCA) é uma estrutura de consulta
direta do chefe do governo em matéria de cajú. Como é que a ANCA está
organizada para dar resposta às exigências da definição da política do governo
neste setor economicamente importante para o país?
HENRIQUE
MENDES (HM): Agência Nacional do Cajú é uma entidade de regulação criada pelo
governo há três anos, que tem como mandato conceber toda a política de
produção, comercialização, exportação e transformação da castanha de cajú.
Portanto, agência tem um mandato não só na concepção, mas também de regular a
política de produção e exportação. É uma estrutura nova que está sob a
dependência direta do Gabinete do Primeiro-ministro.
Esta
estrutura, em termos da sua realização naquilo que tem a ver com toda a cadeia
produtiva do cajú, ao longo dos três anos de existência participou em conjunto
com a Secretaria de Estado do Plano, ministério da Agricultura e outros
departamentos do Estado num trabalho denominado de estudo de reestruturação de
toda a fileira do cajú. Também trabalhamos em parceria com Associação Nacional
de Agricultores da Guiné (ANAG), que é uma estrutura do setor privado que
congrega todos os agricultores e produtores.
Acompanhamos
a situação ao nível da produção, a fim de saber dos principais estrangulamentos
que caracterizam o setor de produção e a sua evolução. Identificamos os
verdadeiros problemas que caracterizam o setor da produção, e posso enumerá-los
rapidamente: a necessidade de a Guiné-Bissau ter de reestruturar a fileira de
produção, uma vez que tem baixa produtividade por hectare, o que significa que
há uma necessidade de reorganizar a componente – produção, também foram
identificados alguns problemas existentes em termos de doenças e pragas.
Realizamos
missões ao Brasil, onde rubricamos programas de cooperação técnica com a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). No programa estão
consagrados as principais ações a desenvolver em conjunto, aproveitando a
grande experiência da EMBRAPA, que é uma das maiores instituições
agropecuárias.
Conscientes
de que o cajúeiro, a partir dos vinte e cinco anos de idade, começa a declinar
o seu ciclo de produção enquanto ativo biológico, por isso, entendemos que há
uma necessidade de fazermos o georreferenciamento dos pomares do país.
OD: A crise
política domina atualidade do país e faz com que ninguém fale da campanha de
cajú. Quer explica-nos de uma forma sintética, como está a ser preparada a
campanha deste ano?
HM:
Iniciamos os trabalhos de preparação da presente campanha há mais de três
meses, reunimo-nos regularmente com os técnicos com vista a preparação da
presente campanha. Reunimos na sala de reuniões do Gabinete de
Primeiro-ministro, na sede da GETA e uma vez reunimos no centro multifuncional
“Pirâmide de Safim”.
O grupo está
focado numa discussão técnica e congrega os técnicos da ANCA, ANAG, do
Ministério da Economia e Finanças, Ministério do Comércio e representantes do
setor privado, nomeadamente as duas Câmaras do Comércio e Associação dos
Intermediários.
O grupo de
trabalho já terminou as suas reuniões com a produção de diplomas relativos às
regras de comercialização interna e externa. Também definiu as regras sobre
quem pode ou deve exportar; quais os requisitos que essas pessoas devem reunir
para poderem operar como homens de negócios no setor de cajú.
Isso é
extremamente indispensável para que tenhamos um ambiente de negócios que
permita às instituições financeiras e os empresários terem visibilidade sobre o
mercado de comercialização e exportação, porque precisam de ter a noção das
regras do jogo. Permite os operadores realizarem os seus negócios sem atropelos
e sem batotas.
OD: Neste
caso, quem deve comercializar a castanha de cajú?
HM: Está na
lei e é extenso, mas posso dar exemplo, há um conjunto de documentos exigidos
pelo ministério do Comércio. Dentro da lei geral do comércio, existe a lei de
cajú. Em relação à castanha de cajú, além das leis específicas e há outros
diplomas que tem a ver com as condições que um operador deve reunir, de acordo
com as exigências da ANCA e dos departamentos do governo ligados a
comercialização interna e exportação da castanha. Mas em tempo útil, os
exportadores terão conhecimento e acesso aos referidos diplomas e informações.
Por exemplo,
este ano preconizamos que a castanha para a ser exportada terá de ser avaliada
a percentagem de humidade antes de serem armazenadas.
OD: Qual
será o método de avaliação de humidade das castanhas de cajú?
HM: Temos um
equipamento chamado de hidrômetro. Se a castanha for avaliada e o nível de
humidade ultrapassar os dez por cento, o exportador deverá obrigatoriamente
secar a castanha para que a humidade atinja os 10 por cento antes de ser
embarcada. Chamamos a tudo isso de boas práticas agrícolas. Também não vamos
permitir que os exportadores utilizem sacos de “nylon”, mas sim sacos de
juntas. E estes sacos serão depositados sobre paletes/estratos de madeira ou
kiritim. O kirintim (esteiras feitas de cana bambu) será permitido apenas este
ano. E partir de 2017 obrigatoriamente, os exportadores têm que utilizar os
estrados de madeira.
OD: Já
estamos no mês de Março, obviamente o mês em que se inicia a campanha. Para
quando a divulgação dos preços, normas e regulamentos da campanha?
HM: Acredito
que esta semana as pessoas terão oportunidade de conhecer essas regras, porque
o grupo da castanha vai concluir os trabalhos, os diplomas serão assinados pelo
Primeiro-ministro e ou pelos ministros das Finanças e do Comércio,
posteriormente serão tornados públicos.
OD: Há muita
procura da castanha de cajú no mercado internacional e a razão pela qual, a
Costa do Marfim, que é um dos maiores produtores da castanha indicou o valor de
350 Francos CFA, como preço base este ano. Qual é o preço base que a Guiné-Bissau
pretende indicar, como o quarto maior produtor do nosso continente?
HM: Nós por
regra, anunciamos o preço de referência, no dia da abertura oficial da campanha
de comercialização da castanha de cajú. Nessa altura as pessoas interessadas
neste negócio terão oportunidade de os conhecer. Já temos ideia clara de qual
será o preço de referência ao produtor.
Diferenciamos
da Costa do Marfim em algumas questões, relativamente à campanha de castanha do
cajú, por exemplo, eles anunciam o preço de referência e depois autorizam o
início das compras e escoamento. Enquanto nós na Guiné-Bissau, normalmente
anunciamos na mesma data de abertura e o início da compra e do escoamento.
Já
discutimos isso numa reunião do Conselho Geral, uma estrutura que está dentro
da ANCA, onde participam instituições públicas e privadas. No referido espaço
discutimos o preço de referência ao produtor, mas antes da discussão do preço
base, a ANCA, através do Departamento de Estatística e do Observatório do
Mercado de Produtos Agrícolas, fizemos um trabalho de acompanhamento e
avaliação do mercado internacional, relativamente à produção de todos os países
produtores, desde o Brasil, a Índia, Vietnam, Costa do Marfim entre outros.
Depois
avaliamos também o consumo da “amêndoa” e produtos similares, por exemplo, no
conjunto temos amêndoa de cajú da Califórnia, a mediterrânica. São elementos
que são tidos em conta para termos a ideia do nível do consumo de amêndoa e que
influenciam a procura da castanha, também analisamos as taxas de câmbio e a
situação do ambiente interno, porque havendo perturbação e instabilidade, isso
não abona para que as instituições financeiras libertem os créditos, porque
situações de incerteza tem sempre a tendência de agravar as condições de
concessões de créditos.
OD: A crise
política pode afetar a campanha de cajú até ao ponto de impedir o investimento
dos empresários estrangeiros?
HM: Por
experiência própria, por exemplo, o caso de 12 de Abril teve repercussões, Os
bancos deram muitos créditos. Foi um exemplo típico, as pessoas compraram
castanha de cajú e convencidos que iam vendê-las a bom preço. A procura era
muita. Mas o preço não foi muito favorável. E muitos não conseguiram vender a
preços que pretendiam. Portanto, perderam muito dinheiro e os bancos tiveram
muitas dificuldades na recuperação dos créditos.
Fazer
campanha num clima de incerteza e de instabilidade política cria desconfiança
no mercado e retração por parte das instituições financeiras. Isto é
prejudicial para os operadores nacionais, porque os operadores estrangeiros,
normalmente têm mais capitais e estão em melhores condições de vir ao nosso
mercado comprar e exportar. Os operadores nacionais têm dificuldades de
conseguir crédito junto aos bancos, porque, os bancos, segundo uma entrevista do
Diretor Nacional da BECEAO, João Aladje Fadia, no ano passado tinham crédito
mal-parados num valor de trinta bilhões de francos CFA. É muito dinheiro e
acredito que os bancos ainda continuam a tentar recuperar esse dinheiro.
OD: Então,
para quando a abertura oficial da presente campanha?
HM: A
abertura está prevista para a segunda semana do mês de Abril, embora já
tenhamos, de forma isolada, cajú em algumas regiões, como por exemplo, a região
de Bolama/Bijagós e também aqui nos arredores. Mas isso é insignificante. É
aconselhável realizarmos as atividades quando os pomares que temos distribuído
por todo o país tiverem uma cobertura na ordem de, pelo menos, 60 por cento. A
partir daí é aconselhável utilizar o início da atividade.
OD: No ano
passado a campanha foi boa, este ano há perspectivas de a mesma ser adquerida
no mínimo de 250 francos CFA?
HM: Acho que
sim, porque a previsão que temos em relação aos mercados futuros é devida a
alta procura. Por exemplo, a Tanzânia teve uma quebra na ordem dos sete por
cento, o de Brasil 40 por cento. Essa previsão já tinha sido feita desde 2015.
Em 2015, as unidades de processamento aqui na África Ocidental tiveram
problemas em conseguir castanha no mercado, devido ao elevado nível do processamento
na Índia. Tendo em conta que o mercado doméstico indiano está a consumir muita
amêndoa, isto é o grande fenômeno.
A Índia, que
até há dois anos consumia 42 por cento da produção da sua amêndoa, neste
momento está a consumir 70 por cento da amêndoa produzida, portanto, está com
um mercado doméstico muito forte em termos de procura.
A Índia tem
a capacidade de produção de 700 mil toneladas, mas importa quase dobro para
atender a necessidade da sua capacidade industrial instalada. Vietnam também
importa grande quantidade, portanto, a previsão para 2016 é que a procura vai
continuar muito alta.
Isto pode
ajudar muito no caso do nosso país. Prevemos uma boa produção, tendo em conta
que no ano passado choveu até ao mês de Novembro. Tivemos água razoável, choveu
melhor que os anos transactos. Prevemos exportar no mínimo 200 mil toneladas
este ano.
OD: Há
expectativa de a castanha de cajú ser comercializada num preço base de 250
francos CFA?
HM: Acredito
que sim e não tenho dúvidas. Tenho a certeza absoluta que 250 Francos CFA será
o preço base no mínimo. E em relação a este aspecto, para tranquilizar os
agricultores, se a tendência se mantiver conforme aconteceu no ano passado, a
campanha poderá começar com um preço de 300 francos CFA, essa é a minha previsão,
não é nada oficial ainda.
Tudo isso de
fato, pode evoluir depois rapidamente. Em 2015 abrimos com 300 francos CFA por
quilo e depois de uma semana subiu para 400 francos, isto é o comportamento
normal do mercado.
Por isso, é
que eu digo que, quando definimos regras claras e as pessoas conhecerem o
mercado, depois é deixarmos o mercado fazer o seu trabalho, porque costumo
dizer que o mercado tem uma mão invisível que regula o seu próprio
funcionamento. As intervenções desregulam o mercado e complicam.
OD: A
campanha de cajú do ano passado foi boa para os camponeses e até os empresários
partilharam a mesma ideia. Mas ainda os empresários lamentam a burocracia
registada em termos de concessão de documentos ou alvarás, bem como a
intervenção de várias instituições na fiscalização e controle, por isso
defendem a criação do “Guiché Único”, onde se pode pagar toda a papelada de uma
só vez. Concorda com a ideia?
HM: Sem
dúvidas! Foi uma inovação. Nós é que tivemos essa ideia. Fizemos uma visita um
ano antes, à Abidjan na Costa do Marfim, em 2014, porque é bom aprendermos
sempre uns com os outros. O nosso Guiché funcionou desde o ano passado com
algumas imperfeições, mas correu bem. E tenho a certeza que este ano vamos
melhorar o seu funcionamento, porque isso vai agilizar todo o processo em
termos de documentação.
OD: Uma das
lamentações dos operadores tem a ver com as intervenções das Alfândegas no
terreno, Contribuição e Impostos e Comércio, fato que consideram penalizador.
Quer fazer algum comentário?
HM: Os
trabalhos que estamos a fazer no concernente à preparação da campanha consistem
na identificação de todas essas situações, assim como as paragens dos camiões
pelos serviços da Polícia Trânsito. Entendemos que, quando um operador cumpre
com suas obrigações, possuindo todos os documentos exigidos pelos serviços
ligados a campanha de cajú, deve poder exercer a sua atividade.
A partir do
local, onde um operador carrega não deve ser interrompido seu percurso até
chegar Bissau, porque é uma situação desagradável e que cria transtornos.
OD: Será que
o trabalho que está a realizar no grupo visa melhorar os diferentes serviços
que intervêm no setor de cajú?
HM: Sem
dúvidas, por isso, digo que todos os departamentos governamentais que intervêm
no setor têm tomado parte nessas reuniões. Discutimos diplomas que estão
ligados à comercialização interna e exportação. Todas essas questões foram
levantadas e debatidas detalhadamente. Acredito que teremos condições de
melhorar essa situação de forma a normalizar a operação de cajú. A semelhança
daquilo que acontece com os outros países.
Por exemplo,
por que é que muitas vezes as nossas exportações levam muito tempo? Porque
temos toda essa complicação, estrangulamentos que são criados, entre outros.
Recentemente ouvi na rádio que o porto de Bissau foi pavimentado e que foram
introduzidos novos equipamentos, que foi aumentada a capacidade de armazenamento
dos contentores. Isso de fato, é um trabalho extraordinário do qual vamos
beneficiar, reduzindo assim o tempo de paragem dos navios no nosso porto.
OD: Os
camponeses lutam contra as pragas que invadem as plantações de cajú em algumas
zonas do país. O que é que agência está a fazer neste momento para pôr cobro à
situação, como entidade responsável pela fileira de cajú?
HM: O
problema das pragas são complicadas… lembro-me que em 2007, quando eu estava a
presidir a então Comissão Nacional de Cajú, solicitamos a um projeto do Banco
Mundial que nos financiasse a vinda de um técnico brasileiro especialista nesta
matéria. Este técnico fez um trabalho de pesquisa durante 45 dias e no fim
produziu um relatório, onde são mencionadas a existência de algumas doenças e
pragas.
Já passaram
nove anos desde a produção daquele relatório, mas infelizmente até agora nada
foi feito em termos de implementação das recomendações deixadas. Hoje não sei
dizer em termos das pragas, qual a real situação.
Em Janeiro deste
ano, estive numa missão e acompanhei, através da televisão, que houve casos
novos nas zonas do sector de Prábis (Região de Biombo) de algumas pragas que
chamamos de “Boca de Cauli”. É uma situação que requer um cuidado, porque as
pragas ou doenças, se não forem respondidas com boas medidas e precauções,
acabam por tornar-se num problema muito sério e difícil de controlar.
Para já, é
mais barato prevenir as pragas ou doenças do que quando instalarem-se. Se essa
praga dizimar uma quantidade significativas de pomares e as consequências serão
graves. Por exemplo, nas zonas de Prábis há populações que vivem apenas do
cajú.
OD: O que é
que a agência fez de concreto como uma das medidas de precaução para evitar as
pragas ou doenças?
HM: Nada
está ser feito até agora. Apenas constatações. Eu costumo dar exemplo de
Moçambique que, nos finais do ano 1970, atingiu a sua maior produção de sempre
que foi de 216 mil toneladas e enfrentou problemas de “Oídio” e que ainda estão
a combater. Essa situação afetou muito o cajú moçambicano e houve uma descida
da produção de 216 mil toneladas para 153 mil, depois saiu mais de 153 mil para
70 mil toneladas produzidas anualmente.
Imaginem se
isso acontecer na Guiné-Bissau, não será a desgraça para o povo? Nós temos
estado a agir em certas situações, no sector agrícola, acreditando no fator
sorte.
OD: Agência
já identificou algumas zonas afectadas pelas pragas?
HM: Temos
alguma situação em Prábis e Quinhamel, região de Biombo, mas estou a referir-me
à situação da praga de 2007. A verdade é que neste momento não sabemos de facto
se o problema evoluiu ou se se multiplicou.
OD: Ainda
sobre doenças e pragas. Já foram identificadas as pragas e doenças que existem
no país e que podem constituir um perigo eminente para o cajú?
HM: Para
além da praga broca de caule que já foi descoberta no país, também
identificamos as possíveis pragas que podem atacar o cajú, que são: Brocas das
Pontas, Traça da Castanha e Pulgão da Inflorescência. Em relação às doenças é
bom dizer que as possíveis doenças que podem atacar o nosso cajú, são:
antracnose, resinose e oídio.
É urgente
fazer um levantamento para saber o nível de evolução das pragas, bem como saber
se existem doenças ou apenas ameaças e as medidas de precaução que podem ser
adopatadas.
OD: Citou
aqui a situação de Moçambique como o exemplo sobre os danos causados pelas
pragas. Não teme que a mesma situação venha a ser registada na Guiné-Bissau?
HM: Até
agora ninguém pode confirmar a que nível está o problema. Através dos estudos
feitos pelo especialista brasileiro, foi confirmada a existência de doenças e
de pragas bem como a situação da praga registada em 2007 nas zonas de Prábis e
de Quinhamel.
Até ao
momento nada foi feito em termos de estudos sobre o problema detetado e isto
tem as suas consequências. É preciso ir ao fundo desta questão e não só
identificá-lo ou caracterizá-lo, mas também é preciso propor medidas de fundo.
Isso tem que ser feito.
OD: Agência
já submeteu algumas medidas ao Governo, sobre a situação das pragas e doenças?
HM: Não
conseguimos submeter nenhumas medidas ao executivo, porque como se sabe, também
funcionamos com muitas dificuldades em termos do orçamento. Este é um trabalho
que devemos fazer com técnicos do ministério de Agricultura e Desenvolvimento
Rural, através do seu departamento de protecção vegetal.
Acredito que
dentro de dois meses o mais tardar, iremos realizar um trabalho conjunto. E
tudo o que for identificado a partir deste trabalho, vamos propor uma
intervenção de fundo para pôr cobro a situação. Há igualmente um estudo
diagnóstico que deve ser financiado pelo Banco Oeste Áfricano de
Desenvolvimento (BOAD).
Estudo é
chamado de “Estudo de Diagnóstico de Reflexão da Fileira de Cajú”, contempla os
problemas a nível da produção que também incorpora a comercialização e o
processamento mas também as doenças e as, pragas.
OD: Este ano
os empresários estrangeiros irão directamente no terreno ou trabalharão com os
intermediários?
HM: Os
empresários estrangeiros que têm o investimento na Guiné-Bissau e que respeitam
a lei do país e dependendo da sua antiguidade no país, podem operar
perfeitamente e sem nenhum problema.
Temos
exemplos de muitos empresários estrangeiros que estão aqui. Cada um tem o seu
espaço a medida da sua categoria. Os intermediários são de uma outra categoria,
embora tenhamos igualmente intermediários estrangeiros, grande número deles são
mauritânianos e que estão a operar muito nesta categoria.
OD: Há
informação que indicam que nenhum franco do Fundo Nacional de Promoção da
Indústria (FUNPI), criado pelas autoridades e sector privado nacional, foi
concedido aos agricultores através da “ANAG” para desenvolverem as suas
atividades de pesquisa da fileira de cajú, como inicialmente previsto. O que é
que agência está a fazer para afectar os camponeses com este fundo?
HM: O fundo
do FUNPI já não existe…FUNPI é uma matéria muito incandescente que neste
momento está a ser alvo de auditoria sobre a forma como foi gerido. A meu ver,
os fundos desta natureza ou que podem ser chamados por outro nome, são
extremamente indispensáveis para o desenvolvimento da fileira do cajú. Não
podemos contar apenas com a ajuda internacional para desenvolvermo-nos. Isso é pura
ilusão
Os recursos
dos nossos parceiros internacionais dão-nos alguns reforços, mas temos que
tentar com as iniciativas próprias para financiar algumas acções. Quando
começamos o FUNPI, era essa a ideia. Doravante temos que ser capazes de criar
um outro fundo para financiar o sector.
Vamos
admitir que se de repente tivermos o problema de alguma praga numa determinada
zona. Vamos ficar a espera do apoio do Banco Mundial, da União Europeia e
outros parceiros para combater a praga?
OD: Defende
a criação ou não de um outro fundo nos moldes diferentes do FUNPI?
HM: Sem
dúvida é urgente a criação de um outro fundo. Temos que ter uma visão de
desenvolvimento de curto, médio e longo prazo. Costa de Marfim e Moçambique têm
fundos tipos FUNPI. Estes países tiveram problemas com a gestão do fundo no
início, mas conseguiram ultrapassá-los e estão a geri-los até agora.
Temos que
ter a coragem de restruturar a forma de funcionamento do fundo e chamá-lo agora
de outro nome, porque é muito importante a sua existência.
Não podemos
acabar com o FUNPI sem termos a capacidade de criar outro fundo para financiar
aquilo que é o mínimo da nossa atividade internamente.
OD: Em que
posição está a Guiné-Bissau no mundo, quantitativa e qualitativamente, em
termos da produção da castanha de cajú e qual é a perspectiva?
HM: A
Guiné-Bissau é o segundo maior produtor de África, depois da Costa de Marfim e
quarto produtor mundial. Depois da Índia, Costa de Marfim, Vietname. A seguir a
Guiné-Bissau vem o Brasil, a Tanzânia, o Moçambique, etc…
Em termos da
qualidade, estou em condições de dizer que somos o primeiro a nível mundial,
por isso é que temos que trabalhar para inverter esse quadro que nós temos.
Porque é tremendamente ridículo ter a castanha de melhor qualidade a nível do mundo
e continuarmos com o problema que temos no sector.
A Costa de
Marfim é uma referência mundial e continua a trabalhar para ser o número um no
mundo. Este país da África Ocidental vai inaugurar este ano uma fábrica /
escola de cajú e com o intuito de formar e capacitar os empresários no sector
de cajú. Agora de dois em dois anos, eles organizam um salão chamado de
“SIETA”, ou seja, Salão Internacional de Equipamento, Tecnologia e
Transformação.
Estivemos no
ano passado em Moçambique, na Conferência Mundial de Cajú. Este ano será
realizada na Guiné-Bissau. Durante a conferência foi recomendada aos países
produtores para seguirem os exemplos de Costa de Marfim e do Vietnam.
A Costa de
Marfim evoluiu muito em termos de organização e crescimento, do ponto de vista
de produção. A meta de Costa de Marfim é ser o maior produtor mundial da
castanha até 2020, mas muito antes disso atingirão essa meta.
A fábrica do
processamento da castanha de Bolama que vai ser inaugurada agora no próximo mês
de Abril, tem a tecnologia do Vietnam.
OD: Falou da
definição de uma política séria para o sector de cajú pelas autoridades. Na sua
opinião, como é que isso pode ser feito?
HM: Primeiro
é preciso uma vontade política e ter projectos concretos para o desenvolvimento
do sector. Devemos sair da teoria ou de discursos políticos para a prática,
através da implementação das ideias e projetos concretos para desenvolver o
sector que consideramos da maior fonte de produção da economia do país.
Estou no
cajú desde 2001. Trabalhei numa fábrica que processava 600 toneladas de
castanha de cajú por ano. Exportávamos um contentor de amêndoa de cajú em cada
30 a 40 dias para a Europa, depois Estados Unidos de América. Entre os meus
compatriotas, sou o único que está há mais tempo na indústria de transformação.
Esta experiência permite-me ter uma ideia clara sobre o que é necessário fazer
em termos da transformação.
A
Guiné-Bissau precisa de trabalhar seriamente neste processo, a passos lentos,
mas seguros. O que conta em termos de governação é o resultado deixado e não a
conversa. Quando estive a escrever a minha tese do mestrado “Segurança
Alimentar e a Produção de Cajú”, vi todo um trabalho do passado.
Existe um
trabalho feito sobre o cajú, escrito pelo professor José Mendes Fernandes, que
é colega de Amílcar Cabral. O segundo trabalho é a minha tese do mestrado, mas
isso não chega é preciso pesquisar mais. Desde 1976 que a Guiné-Bissau fez a
sua primeira exportação e até esta parte, o Estado investiu muito pouco no
sector de cajú.
A Guiné é o
país no mundo que tem a maior superfície coberta que varia entre 6.7 a 6.8
hectares de área arável. Nenhum outro país no mundo tem tamanha superfície
coberta por cajúeiros, como a Guiné-Bissau. Temos plantações muito
desorganizadas, por isso disse que estamos a crescer em superfície em termos de
plantações mas infelizmente não estamos a crescer em produtividade por hectare.
O país tem
estado a crescer em tamanho e quantidade, mas em qualidade, em termos da
produção estamos a perder muito. Produzimos 350 a 450 quilos por hectare.
Enquanto a Costa de Marfim está nos 750 a 850 quilos por hectare.
OD: O que é
que se deve fazer para melhorar a produção a fim de igualar a Costa de Marfim?
HM: É
preciso investir muito no Instituto Nacional da Pesquisa Agrária (INPA) do
ministério de Agricultura. Um país que depende muito de um único produto de
exportação tem de investir neste produto e ao mesmo tempo desenvolver outras
culturas de exportação e de renda para não depender só disto.
Uma economia
não pode depender de uma monocultura virada para um único mercado que é a
Índia. Perdemos muito com o cajú. O que é que o cajú nos dá em termos de
receitas fiscais, são 25 milhões de dólares, o que é pouco.
Se tivermos
uma política forte neste sector e muito bem organizada, então ganharemos muito
mais. As pessoas gabam-se da exportação feita e das receitas recolhidas, mas
não podemos contentarmo-nos com isso. Podíamos ganhar muito mais se nos
organizarmos bem.
OD: Nos
últimos anos têm surgido críticas de estudiosos sobre a política económica da
Guiné-Bissau em matéria de comercialização baseada essencialmente na exportação
bruta deste produto. A sua instituição tem uma estratégia para inverter esta
lógica, promovendo a transformação local e produzir mais-valia para o país?
HM: O
processamento da castanha de cajú foi o tema dominante na conferência de
Maputo. A conferência da Aliança Africana de Cajú (AACA) produziu um documento
que foi chamado de “Manifesto de AACA”. Esse manifesto enumera os principais
estrangulamentos no sector e propostas de soluções que poderão ajudar no
encurtamento da distância que separa a África dos países asiáticos, em termos
de processamento.
A Ásia está
a processar muito e vê no cajú um produto que está a resolver o problema da
pobreza. Veja a visão do desenvolvimento que as pessoas têm e nós pensamos
apenas na exportação em bruto.
Os
governantes asiáticos decidiram investir no sector do processamento da castanha
de cajú para ajudar os empresários. Essa é a decisão política que saiu da
teoria de discurso para a prática. O nível de faturamento, de acordo com os
dados de 2014 que tenho, o Vietnam conseguiu arrecadar só na venda de amêndoa
de cajú 2.2 bilhões de dólares norte-americanos.
Enquanto a
Índia conseguiu arrecadar com a venda de amêndoa de cajú 1.8 bilhões de dólares
norte-americanos, portanto isso demostra que o Vietnam está a processar mais do
que a Índia. As fábricas de processamento de cajú empregam grande quantidade de
trabalhadores, por isso é que eles não brincam com o cajú.
O problema
do processamento em África é um problema do financiamento. Porque as
instituições financeiras têm preferido financiar a campanha de comercialização,
porque entende que há menores riscos e também tem o tempo de atividade muito
mais curto. Enquanto a atividade industrial precisa de mais tempo.
OD: O que é
que a ANCA tem em mãos para mudar a situação, ou seja, conquistar a confiança
das instituições financeiras?
HM: Temos um
documento produzido num ateliê realizado no passado. As recomendações demostram
a forma como o governo, através do ministério da Indústria, deve financiar o
sector. Fizemos o levantamento sobre unidades industriais que estão fechadas, e
tentamos saber há quanto tempo essas unidades estão fechadas e a razão do
encerramento e a propusemos soluções para o seu relançamento e criação de
outras unidades.
Felizmente o
ministro das finanças fez uma promessa e acredito que vai cumpri-la, mas eu
acho que ele tem que andar um bocadinho mais rápido. Ele esteve depois em
Washington (Estados Unidos de América), onde assinou um acordo com o Banco
Mundial, através de IFC daquela instituição, que tem a vocação de financiar
este tipo de atividades por meio do sistema leasing.
Essa é a
única saída, porque os créditos são muito caros. Devido à fragilidade da nossa
economia, é preciso arranjar uma forma de financiar essa atividade. Lembro que
os representantes daquela organização do Banco Mundial (IFC) estiveram cá
recentemente.
O ministério
da Indústria, através da direcção-geral da Indústria, tem estado a realizar
também um bom trabalho de levantamento e propostas de atividades que devem ser
desenvolvidas, como por exemplo, a criação de incubadora industrial bem como a
definição de uma nova zona industrial. E como se sabe, a atual zona industrial
já não serve como a zona industrial, porque hoje está cheia de habitações.
OD: Quantas
unidades de transformação da castanha de cajú estão a funcionar atualmente?
HM: Apenas
uma e encontra-se no sector de Bula, concretamente na estrada que liga Bula e
São Vicente. Tem uma capacidade instalada para processar 3000t/ano e emprega
120 pessoas. É propriedade de um cidadão guineense, mas que a arrendou, no ano
passado, a um cidadão espanhol que vive no Brasil. Ele processou castanha de
Julho a Dezembro do ano passado, e conseguiu produzir 12 contentores de amêndoa
e cada contentor tinha a capacidade de 16 toneladas.
Este senhor
fez um investimento de três milhões de dólares norte-americanos na fábrica.
Substituiu todos os equipamentos e trouxe outros novos do Brasil. Ele disse-me
que de Julho a Dezembro do ano passado depois de todas as despesas incluindo os
salários e os custos de exportação, conseguiu um lucro de 54 mil dólares.
Quer dizer
que faturou 648mil dólares norte-americanos (seiscentos e quarenta e oito mil).
Veja o ganho que é possível obter na venda da amêndoa de cajú! Por isso defendemos
a aposta na transformação no país. Este senhor pretende fazer uma unidade sua,
de raíz, na Guiné-Bissau.
Ainda
estamos a contar com a fábrica de Bolama que pertence à empresa “Gomes e
Gomes”. A fábrica de Bolama deverá iniciar a sua atividade laboral no mês de
Abril do ano em curso e tem uma capacidade de transformação de 2.900t/ano (dois
mil e nove centos por ano) e empregará 108 pessoas.
OD:
Relativamente à conferência mundial sobre cajú que será realizado este no país,
O que é que se pode esperar dela?
HM:
Esperamos seja capaz de produzir propostas de soluções muito concretas do que a
Guiné-Bissau precisa fazer na área de produção para inverter o atual quadro.
Uma intervenção do fundo ao nível de produção para melhorar os indicadores de
350 a 450 quilos por hectare.
Fazer um
recenseamento de raiz para termos uma ideia sobre qual é a superfície total
coberta por pomares, como também a sua idade por região e caracterizar tipos de
castanha promovida por região, porque como se sabe as castanhas são
caracterizadas do ponto de vista industrial pelo tamanho (tamanhos: T- 1, T-2,
T-3, T-4). Temos que ter a informação sobre isso e a partir dali atualizá-la de
seis em seis meses.
Ao nível de
comercialização é necessário um trabalho sério para melhorar a nossa legislação
em termos de comercialização e exportação. Fazer aquilo que a Costa de Marfim
fez, porque eles não têm a bagunça que nós temos aqui neste aspecto.
OD:
Presidente, é possível a conferência mundial de cajú determinar essa linha
orientadora toda?
HM: Claro.
Mas gostaríamos que a conferência produzisse documentos exequíveis.
OD: Quem são
os participantes da conferência mundial de Cajú?
HM: Virão
230 a 250 participantes do exterior, ou seja, participarão todos os países
produtores e consumidores do produto final da castanha.
Para
terminar a entrevista, queria deixar uma mensagem.
Vamos rezar
nós todos para que a crise política conheça um desfecho que não nos perturbe
mais, embora isso não dependa de nós… Infelizmente.
Por: Assana
Sambú/Sene Camará