domingo, 8 de novembro de 2015

CARTA AO PRESIDENTE JOSÉ MARIO VAZ

 Sr. Presidente JOMAV,


Antes de tudo, confesso que não tinha vontade alguma de lhe endereçar esta carta.
Não me identifico consigo. Não me revejo na sua política do "vale-tudo".
Em suma, não queria dirigir-lhe a minha palavra escrita. 

Entretanto, numa conversa com a Okinka ela sugeriu-me que o Sr. também merecia umas palavras sobre liderança. Após uma breve troca de ideias, dei-lhe razão. O momento histórico do nosso país convoca, de facto, uma ampla discussão sobre liderança. Uma amplitude que acabaria por perder lugar se excluíssemos o Primeiro Magistrado da Nação.
Por isso, Sr. Presidente JOMAV, este é o momento de escrever sobre o seu estilo de "liderança". 

Para tal, considerarei os seguintes aspectos:

a) Que tipo de Presidente o País precisa?
O momento pós-transição exigia, acima de tudo, um Presidente da República que exercesse uma magistratura de influência positiva, pautada por uma visão de futuro e um alto sentido patriótico. O país impunha um dever histórico ao Presidente eleito. Esse dever era, justamente, a garantia da estabilidade política e a criação de pontes entre as clivagens desestruturantes nos (sub)sistemas de poder. Para tal, impunha-se um Presidente com sentido de Estado, intelectualmente forte, consistente no exercício da diplomacia, dialogante e com ascendente moral na sociedade guineense. 

Quando o Sr. JOMAV foi nomeado candidato presidencial do PAIGC, senti uma profunda desilusão. Sempre soube que o Sr. não reunia nenhuma das características necessárias. Sabia que seria incapaz de unir a família guineense. Do que acompanhei do seu percurso, sabia da sua propensão para o conflito e da necessidade que tem em ser o centro de uma espécie de culto de personalidade. Infelizmente, tudo características que viriam a ser (re)confirmadas.

Mas, afinal, que país é o nosso onde o candidato do Partido mais forte é um suspeito/arguido de um crime que não chegou a ser devidamente esclarecido? Que país é o nosso onde a corrida para a presidência pode também ser a corrida em busca de imunidade? Se o Sr. não fosse corrupto, se tivesse dignidade e se fosse esse poço de seriedade que tanto apregoa, jamais entraria na corrida sem provar a sua inocência. Onde está o ascendente moral que um Presidente da República deve ter?

Basicamente, o Sr. é um egocêntrico populista, com pretensões a ditador. Hoje é claro que pretende concentrar o poder para controlar o aparelho do Estado, para enriquecer ainda mais, para fugir à justiça e para alimentar ilusões de que é o salvador da Pátria.
O problema é que as suas pretensões implicam o adiamento do país, a fragilização das nossas instituições e o empobrecimento da nossa democracia. O Sr. encabeça os obscurantistas reaccionários cujas acções têm garantido a continuidade do sofrimento do povo guineense. A sua magistratura é e tem sido a magistratura da indignificação dos guineenses e da desesperança no futuro. Portanto, muito longe do que o país precisa.

b) Que dimensão política?

A verdade é que a sua magistratura surpreende muito pouco. Dói, mas surpreende pouco. Basta que analisemos o seu percurso político e o teor dos seus discursos.
Num país onde a larga maioria das figuras políticas mais proeminentes ancora o capital de influência na exaltação de um passado de Combatente da Liberdade da Pátria, tenho dificuldades em encontrar onde está alicerçada a "força" política JOMAV. Tenho dificuldades porque procuro "obra feita"; porque procuro o que o nome JOMAV representa. 

No entanto, se mudar o enfoque e começar a olhar para o seu percurso político, começo, finalmente, a perceber que não existe obra feita e muito menos um passado heróico e/ou exemplar. Vejo, em alternativa, um percurso feito em bambarans nas costas da máquina do PAIGC. Bambarans que, importa dizer, custam e custaram muitas "moedas".
Facto é que o Sr. não embandeira pensamento político profundo ou inovador, é, sim, embandeirado pelo capital político dos outros. 
Aprofundando um pouco mais, posso pegar em dois exemplos paradigmáticos que revelam a sua fragilidade política.

Primeiro, os argumentos que o Sr. apresenta são de uma ligeireza ofensiva para qualquer mente pensante. Revela ausência ideológica e incompreensão do momento histórico que o país vive. A ausência de profundidade ecoou nos seus discursos de campanha eleitoral, onde mentiu descaradamente dizendo que jamais derrubaria um governo do seu próprio partido e que a parceria com o Domingos Simões Pereira seria uma realidade fundamental no seu mandato. 

O jeito ligeiro e leviano marcou também o discurso que antecedeu o derrube do Governo. Um Presidente que derruba um governo legítimo com base em acusações de corrupção, nepotismo e peculato e que, ao mesmo tempo, se abstém de apresentar quaisquer evidências que sustentem essas mesmas acusações é, no mínimo, irresponsável. Uma irresponsabilidade sem paralelo, se considerarmos que o desempenho desse mesmo governo não só tinha sido avaliado positivamente por organizações internacionais - que financiam o país - como também tinha recuperado a confiança dos parceiros e o bilhete de reentrada no concerto das nações. 

O segundo exemplo repugna-me particularmente, pois trata-se de uma tentativa de hipotecar, em proveito de interesses obscuros, a nossa dignidade enquanto nação. O Sr. sabendo que não tem o apoio das forças vivas do país (ANP, Sociedade Civil, Partidos Políticos e figuras de referência da produção intelectual e cultural) resolveu submeter-nos  à tutela dos ditadores da Gâmbia e da Guiné-Equatorial.

Com essa estratégia, o Sr. mostra incapacidade política, falta de carisma, complexo de inferioridade e uma vergonhosa falta de sentido patriótico. Não lhe interessa o país. O que lhe interessa é conseguir financiamento para a instauração de um regime presidencialista autoritário. 

O paradoxo disto tudo é que o Sr. não tem sequer a capacidade de ser o autoritário-mor do regime autoritário que pretende instaurar. Ironicamente, o Sr. é uma marioneta do grupo que o rodeia. Uma espécie de serviçal do seu próprio séquito. Já deu para perceber que está enredado numa série de dívidas políticas, que só serão pagas com a ascensão desses seus "apoiantes". Se eles não tiverem o que pretendem, o Sr. será "queimado" e substituído por outra marioneta. Portanto, para si, é importante ser uma marioneta eficaz, sob pena de cair de vez, em termos políticos (se é que já não caiu).

c) Que dimensão moral?

Já tinha falado da sua falta de ascendência moral, mas é importante voltar a este ponto. Um dos problemas graves da sua magistratura é a falta de integração moral. Para si, a política é um jogo de "vale-tudo". Nesta sua Presidência já se viu quase de tudo. É um absurdo a forma como o Sr. e o seu séquito escancaram a incoerência; as birras institucionais; a vitimização; a imprevisibilidade; a mentira; a deslealdade; a traição; etc...

O Sr. apresenta-se lamentavelmente como um sonso político, dominado pela sede de protagonismo barato.
Volto a fazer a mesma pergunta: onde está o ascendente moral que um Presidente da República deve ter?

d) Que liderança?

O Sr. JOMAV é daqueles casos de estudo que daria, certamente, um bom livro.
Honestamente, não sei qual é o seu estilo de liderança. O Sr. não encaixa em nenhuma tipologia que eu conheça.
Não é fácil caracterizar uma "liderança" alicerçada na fragilidade política e, ao mesmo tempo, na pretensão de exercício autoritário. Trata-se de um contra-senso que chega a ser pornográfico.

Mesmo o mais infame dos ditadores tem de ter, pelo menos, força política (mesmo que seja baixa política), para instaurar e controlar o seu regime.
No seu caso, vê-se que tem a ambição de exercer o poder e controlar o sistema político. Porém, é demasiado frágil politicamente para o fazer.
Precisa de socorrer-se de bambarans.
Ora, o preço dos bambarans é, sobretudo, a eliminação da capacidade de liderança de quem deles se socorre.
A verdade é que o Sr. não é um líder, de facto.
É sim, um liderado dos bambarans que o suportam.
Despeço-me com a esperança de que a Democracia não perdoe, jamais, a sua TRAIÇÃO ao povo guineense.
Hawa Dolo
Fonte: Zona Libertada