Antes de tudo, confesso que não tinha vontade
alguma de lhe endereçar esta carta.
Não me identifico consigo. Não me revejo na
sua política do "vale-tudo".
Em suma, não queria dirigir-lhe a minha
palavra escrita.
Entretanto, numa conversa com a Okinka ela
sugeriu-me que o Sr. também merecia umas palavras sobre liderança. Após uma
breve troca de ideias, dei-lhe razão. O momento histórico do nosso país convoca,
de facto, uma ampla discussão sobre liderança. Uma amplitude que acabaria por
perder lugar se excluíssemos o Primeiro Magistrado da Nação.
Por isso, Sr. Presidente JOMAV, este é o
momento de escrever sobre o seu estilo de "liderança".
Para tal, considerarei os seguintes aspectos:
a) Que tipo de Presidente o País precisa?
O momento pós-transição exigia, acima de
tudo, um Presidente da República que exercesse uma magistratura de influência
positiva, pautada por uma visão de futuro e um alto sentido patriótico. O país
impunha um dever histórico ao Presidente eleito. Esse dever era, justamente, a
garantia da estabilidade política e a criação de pontes entre as clivagens
desestruturantes nos (sub)sistemas de poder. Para tal, impunha-se um Presidente
com sentido de Estado, intelectualmente forte, consistente no exercício da
diplomacia, dialogante e com ascendente moral na sociedade guineense.
Quando o Sr. JOMAV foi nomeado candidato
presidencial do PAIGC, senti uma profunda desilusão. Sempre soube que o Sr. não
reunia nenhuma das características necessárias. Sabia que seria incapaz de unir
a família guineense. Do que acompanhei do seu percurso, sabia da sua propensão
para o conflito e da necessidade que tem em ser o centro de uma espécie de
culto de personalidade. Infelizmente, tudo características que viriam a ser
(re)confirmadas.
Mas, afinal, que país é o nosso onde o
candidato do Partido mais forte é um suspeito/arguido de um crime que não
chegou a ser devidamente esclarecido? Que país é o nosso onde a corrida para a
presidência pode também ser a corrida em busca de imunidade? Se o Sr. não fosse
corrupto, se tivesse dignidade e se fosse esse poço de seriedade que tanto
apregoa, jamais entraria na corrida sem provar a sua inocência. Onde está o
ascendente moral que um Presidente da República deve ter?
Basicamente, o Sr. é um egocêntrico
populista, com pretensões a ditador. Hoje é claro que pretende concentrar o
poder para controlar o aparelho do Estado, para enriquecer ainda mais, para
fugir à justiça e para alimentar ilusões de que é o salvador da Pátria.
O problema é que as suas pretensões implicam
o adiamento do país, a fragilização das nossas instituições e o empobrecimento
da nossa democracia. O Sr. encabeça os obscurantistas reaccionários cujas
acções têm garantido a continuidade do sofrimento do povo guineense. A sua
magistratura é e tem sido a magistratura da indignificação dos guineenses e da desesperança
no futuro. Portanto, muito longe do que o país precisa.
b) Que dimensão política?
A verdade é que a sua magistratura surpreende
muito pouco. Dói, mas surpreende pouco. Basta que analisemos o seu percurso
político e o teor dos seus discursos.
Num país onde a larga
maioria das figuras políticas mais proeminentes ancora o capital de influência
na exaltação de um passado de Combatente da Liberdade da Pátria, tenho
dificuldades em encontrar onde está alicerçada a "força" política
JOMAV. Tenho dificuldades porque procuro "obra feita"; porque procuro
o que o nome JOMAV representa.
No entanto, se mudar o enfoque e começar a
olhar para o seu percurso político, começo, finalmente, a perceber que não
existe obra feita e muito menos um passado heróico e/ou exemplar. Vejo, em
alternativa, um percurso feito em bambarans nas costas da máquina do
PAIGC. Bambarans que, importa dizer, custam e custaram muitas
"moedas".
Facto é que o Sr. não embandeira pensamento
político profundo ou inovador, é, sim, embandeirado pelo capital político dos
outros.
Aprofundando um pouco mais, posso pegar em
dois exemplos paradigmáticos que revelam a sua fragilidade política.
Primeiro, os argumentos que o Sr. apresenta
são de uma ligeireza ofensiva para qualquer mente pensante. Revela ausência
ideológica e incompreensão do momento histórico que o país vive. A ausência de
profundidade ecoou nos seus discursos de campanha eleitoral, onde mentiu
descaradamente dizendo que jamais derrubaria um governo do seu próprio partido
e que a parceria com o Domingos Simões Pereira seria uma realidade fundamental
no seu mandato.
O jeito ligeiro e leviano marcou também o
discurso que antecedeu o derrube do Governo. Um Presidente que derruba um
governo legítimo com base em acusações de corrupção, nepotismo e peculato e
que, ao mesmo tempo, se abstém de apresentar quaisquer evidências que sustentem
essas mesmas acusações é, no mínimo, irresponsável. Uma irresponsabilidade sem
paralelo, se considerarmos que o desempenho desse mesmo governo não só tinha
sido avaliado positivamente por organizações internacionais - que financiam o
país - como também tinha recuperado a confiança dos parceiros e o bilhete de
reentrada no concerto das nações.
O segundo exemplo repugna-me particularmente,
pois trata-se de uma tentativa de hipotecar, em proveito de interesses
obscuros, a nossa dignidade enquanto nação. O Sr. sabendo que não tem o apoio
das forças vivas do país (ANP, Sociedade Civil, Partidos Políticos e figuras de
referência da produção intelectual e cultural) resolveu submeter-nos à tutela dos ditadores da Gâmbia e da Guiné-Equatorial.
Com essa estratégia, o Sr. mostra
incapacidade política, falta de carisma, complexo de inferioridade e uma
vergonhosa falta de sentido patriótico. Não lhe interessa o país. O que lhe
interessa é conseguir financiamento para a instauração de um regime
presidencialista autoritário.
O paradoxo disto tudo é que o Sr. não tem
sequer a capacidade de ser o autoritário-mor do regime autoritário que pretende
instaurar. Ironicamente, o Sr. é uma marioneta do grupo que o rodeia. Uma
espécie de serviçal do seu próprio séquito. Já deu para perceber que está
enredado numa série de dívidas políticas, que só serão pagas com a ascensão
desses seus "apoiantes". Se eles não tiverem o que pretendem, o Sr.
será "queimado" e substituído por outra marioneta. Portanto, para si,
é importante ser uma marioneta eficaz, sob pena de cair de vez, em termos
políticos (se é que já não caiu).
c) Que dimensão moral?
Já tinha falado da sua falta de ascendência
moral, mas é importante voltar a este ponto. Um dos problemas graves da sua
magistratura é a falta de integração moral. Para si, a política é um jogo de
"vale-tudo". Nesta sua Presidência já se viu quase de tudo. É um
absurdo a forma como o Sr. e o seu séquito escancaram a incoerência; as birras
institucionais; a vitimização; a imprevisibilidade; a mentira; a deslealdade; a
traição; etc...
O Sr. apresenta-se lamentavelmente como um
sonso político, dominado pela sede de protagonismo barato.
Volto a fazer a mesma pergunta: onde está o
ascendente moral que um Presidente da República deve ter?
d) Que liderança?
O Sr. JOMAV é daqueles casos de estudo que
daria, certamente, um bom livro.
Honestamente, não sei qual é o seu estilo de
liderança. O Sr. não encaixa em nenhuma tipologia que eu conheça.
Não é fácil caracterizar uma
"liderança" alicerçada na fragilidade política e, ao mesmo tempo, na
pretensão de exercício autoritário. Trata-se de um contra-senso que chega a ser
pornográfico.
Mesmo o mais infame dos ditadores tem de ter,
pelo menos, força política (mesmo que seja baixa política), para instaurar e
controlar o seu regime.
No seu caso, vê-se que tem a ambição de
exercer o poder e controlar o sistema político. Porém, é demasiado frágil
politicamente para o fazer.
Precisa de socorrer-se de bambarans.
Ora, o preço dos bambarans é,
sobretudo, a eliminação da capacidade de liderança de quem deles se socorre.
A verdade é que o Sr. não é um líder, de
facto.
É sim, um liderado dos bambarans que o
suportam.
Despeço-me com a esperança de que a
Democracia não perdoe, jamais, a sua TRAIÇÃO ao povo guineense.
Hawa Dolo
Fonte: Zona Libertada