POR: JOÃO
MANUEL ROCHA
Primeiro-ministro entregou ao Presidente da
República a sua lista de ministros na sexta-feira. Há divergências de
entendimento sobre competências dos titulares de órgãos de soberania.
Quando o impasse em que a Guiné-Bissau mergulhou há quase
dois meses parecia ter sido ultrapassado, com a nomeação para o cargo de
primeiro-ministro de Carlos Correia, um prestigiado veterano da luta pela
independência, regressaram nos últimos dias os sinais de tensão. O chefe do
executivo reuniu-se esta segunda-feira com o Presidente e à saída do encontro
disse que vai haver Governo em breve. Mas a demora na resolução da crise
política iniciada em Agosto mantém em sobressalto um país com um longo historial
de violência político-militar.
Carlos Correia entregou a sua
proposta de Governo ao Presidente da República, José Mário Vaz, na sexta-feira.
Até ao final da tarde desta segunda-feira não havia indicações sobre a data da
posse. Mais do que isso: declarações do primeiro-ministro nomeado motivaram uma
reacção do chefe de Estado e deixaram claro que têm interpretações divergentes
sobre as competências dos órgãos de soberania no regime semipresidencialista do
país africano.
À saída da reunião de sexta, o chefe
do Governo disse que a data da posse passava a depender de Vaz, que lhe
afirmara ir analisar os nomes e depois decidir. Carlos Coreia afirmou então que
gostaria de “fechar a discussão” no próprio dia e, segundo os jornalistas
presentes, acrescentou ter deixado um alerta ao Presidente: a competência para
propor nomes para o executivo é do primeiro-ministro.
José Mário Vaz não gostou. Num
comunicado divulgado horas depois, lamentou as palavras, “numa altura em que se
apela ao esforço de descrispação do relacionamento institucional”. E expressou
o entendimento de que “a Constituição confere ao Presidente da República a
competência exclusiva de criar e extinguir ministérios e secretarias de Estado,
bem como de nomear e exonerar os membros do Governo”.
O Presidente afirmou igualmente que
lhe cabe “analisar criteriosamente” a equipa de Governo proposta e que é da sua
exclusiva responsabilidade “a nomeação de qualquer um dos nomes sugeridos”.
Os dois políticos voltaram a
encontrar-se esta segunda-feira e – segundo a RDP África – analisaram a
estrutura do executivo e os nomes propostos. Foi depois disso que Carlos
Correia disse que a posse ocorrerá em breve. Será o que provavelmente vai
acontecer. Mas as trocas de palavras do final da semana passada confirmam que não
desapareceram as diferenças de interpretação sobre os poderes dos órgãos de
soberania, nem as desavenças que levaram ao afastamento do anterior primeiro-ministro,
Domingos Simões Pereira, presidente do PAIGC (Partido Africano da Independência
da Guiné e Cabo Verde), no dia 12 de Agosto.
José Mário Vaz justificou nessa
altura a demissão, entre outras razões, pelas “incompatibilidades de
relacionamento institucional” com Simões Pereira, cujo Governo tinha a
participação de diversas forças políticas, incluindo o PRS (Partido da
Renovação Social) – segunda maior força política do país – e o apoio da
esmagadora maioria de deputados da Assembleia Nacional Popular.
Depois de o PAIGC ter insistido em
Simões Pereira para o cargo de primeiro-ministro, o Presidente, também membro
do partido, tomou a iniciativa de escolher outro político para chefiar o
Governo: Baciro Djá, igualmente do PAIGC mas em rota de colisão com Simões
Pereira.
Só depois de semanas de contactos o
escolhido por José Mário Vaz conseguiu chegar a acordo com o PRS, que integrava
a anterior executivo e, num primeiro momento, se posicionara contra demissão do
Governo de Simões Pereira, saído das eleições legislativas de 2014, ano em que
também foi eleito o Presidente. Mas a equipa de Baciro Djá não chegou a entrar
em funções porque o Supremo Tribunal de Justiça considerou que os actos do
chefe de Estado foram inconstitucionais. O Presidente viu-se
obrigado a convidar novamente o maior partido guineense, que indicou Carlos
Correia.
Um dos motivos que terá levado agora
José Mário Vaz a sublinhar que é sua a competência de nomear e exonerar
governantes terá sido a indicação de Domingos Simões Pereira para a equipa
governamental. A informação de que isso ia acontecer foi dada por fontes do
partido a diversos órgãos de informação. O blogue Ditadura do Consenso escreveu
que o anterior chefe do Governo teria a importante pasta de ministro da
Presidência do Conselho de Ministros e dos Assuntos Parlamentares. “Se isso é
verdade, é uma razão para ter dado origem a esta nova crise”, disse ao PÚBLICO
Xavier Figueiredo, director do África Monitor,newsletter sobre
países africanos lusófonos.
Para o posicionamento do Presidente
terá também contribuído a mudança do PRS, que na semana recusou o convite do
PAIGC para fazer parte do executivo e disse que nenhum dos seus dirigentes e
militantes estava autorizado a fazê-lo. “A recusa do PRS deu capacidade de
manobra a Vaz”, considera Xavier Figueiredo.
A escolha de Carlos Correia, 81 anos, três vezes
primeiro-ministro, várias vezes ministro, conhecido pelo rigor e seriedade, foi
vista como uma solução apaziguadora. Mas o compasso de espera, e as trocas de
palavras dos últimos dias, confirmam que os motivos da crise permanecem.
Fonte: Público